segunda-feira, 20 de junho de 2016

O Estranho Sócrates


Estou começando a me convencer de que as praças são lugares muito interessantes para os cronistas. Meses atrás, numa das praças da cidade na qual moro, vi um homem franzino, de cabelos grisalhos, compridos e despenteados, aparentando ter uns cinquenta anos. Ele estava dialogando com interlocutores que meus olhos não conseguiam perceber. Mas, como ouvir alguém falar sozinho hoje já não é tão incomum, não foi exatamente isso o que chamou a minha atenção. O que me intrigou mesmo foi ele estar carregando alguns livros velhos debaixo do braço.
Era a primeira vez que eu o via, por isso fiquei na dúvida se se tratava de um morador de rua ou de uma pessoa com perturbações psíquicas. Mas, ao menos de uma coisa eu estava certo: aquela figura excêntrica e intrigante dava muito valor à cultura letrada ou literária. Meus olhos pareciam querer enxergar para além de um homem que, nos seus devaneios, carregava livros sob o braço. Eles, por alguma razão, queriam me mostrar ali um amante dos livros!
Quanto mais o observava, mais as perguntas povoavam a minha cabeça. Será alguém que leu demais e perdeu o senso da realidade? Será um professor de Filosofia que aderiu à escola de Diógenes, o cínico? Será um novo Quincas Borbas a gritar pelas praças e ruas desta cidade: “aos vencedores as batatas!” Até tentei saber um pouco mais a seu respeito, com alguns amigos nascidos nesta cidade, mas tudo que consegui foi um monte de imagens e achismos: é um louco, um esquizofrênico e coisas do gênero. Ao final, desisti de querer saber: o mistério da ignorância tem também seus encantos. Às vezes, quando passo pela praça, o vejo discursando ou em acirradas diatribes intelectuais com outros contendores, todos imaginários, claro! Nem sempre dá pra entender o que ele diz, mas quando escuto, sempre há termos eruditos misturados às palavras do uso comum.

Há qualquer coisa naquele homem amante dos livros, que me reporta ao velho Sócrates, amante da sabedoria. Seria uma espécie de Sócrates estranhamente atual?! O amante dos livros, como o Sócrates, parece um vagabundo loquaz que dialoga nas praças públicas, mas diferente do filósofo grego, os discípulos ou opositores desse homem, amante dos livros, só falam aos seus ouvidos, nunca aos nossos. É um louco, haverá que diga. Não sei. Sei apenas que às vezes ele está lá. Também não sei o que ele representa para nós, cidadãos lúcidos de hoje. Talvez aquele homem amante dos livros seja somente alguém mais autentico de que todos nós, porque vê a sua fantasia como verdadeira e a vivi como sua verdade. Nós, ao contrário, não cremos existir qualquer verdade, e ainda fantasiamos as nossas mentiras, revestindo-as de glitter para convencer aos nossos interlocutores. 

Epitácio Rodrigues da Silva

Participação em Coletâneas

É isso mesmo O ensaio Basta só opinar sobre tudo, é isso mesmo!? , de Epitácio Rodrigues foi aprovado para compor a Coletânea É isso mes...