Estou
começando a me convencer de que as praças são lugares muito interessantes para
os cronistas. Meses atrás, numa das praças da cidade na qual moro, vi um homem
franzino, de cabelos grisalhos, compridos e despenteados, aparentando ter uns
cinquenta anos. Ele estava dialogando com interlocutores que meus olhos não
conseguiam perceber. Mas, como ouvir alguém falar sozinho hoje já não é tão
incomum, não foi exatamente isso o que chamou a minha atenção. O que me
intrigou mesmo foi ele estar carregando alguns livros velhos debaixo do braço.
Era
a primeira vez que eu o via, por isso fiquei na dúvida se se tratava de um
morador de rua ou de uma pessoa com perturbações psíquicas. Mas, ao menos de uma
coisa eu estava certo: aquela figura excêntrica e intrigante dava muito valor à
cultura letrada ou literária. Meus olhos pareciam querer enxergar para além de
um homem que, nos seus devaneios, carregava livros sob o braço. Eles, por alguma razão, queriam me
mostrar ali um amante dos livros!
Quanto mais o observava, mais as
perguntas povoavam a minha cabeça. Será alguém que leu demais e perdeu
o senso da realidade? Será um professor de Filosofia que aderiu à escola de
Diógenes, o cínico? Será um novo Quincas Borbas a gritar pelas praças e ruas
desta cidade: “aos vencedores as batatas!” Até tentei saber um pouco mais a seu respeito, com alguns amigos nascidos nesta cidade, mas tudo que consegui foi um monte de
imagens e achismos: é um louco, um esquizofrênico e coisas do gênero. Ao final,
desisti de querer saber: o mistério da ignorância tem também seus encantos. Às
vezes, quando passo pela praça, o vejo discursando ou em acirradas diatribes
intelectuais com outros contendores, todos imaginários, claro! Nem sempre dá
pra entender o que ele diz, mas quando escuto, sempre há termos eruditos
misturados às palavras do uso comum.
Há
qualquer coisa naquele homem amante dos livros, que me reporta ao velho
Sócrates, amante da sabedoria. Seria uma espécie de Sócrates estranhamente
atual?! O amante dos livros, como o Sócrates, parece um vagabundo
loquaz que dialoga nas praças públicas, mas diferente do filósofo grego, os
discípulos ou opositores desse homem, amante dos livros, só falam aos seus ouvidos,
nunca aos nossos. É um louco, haverá que diga. Não sei. Sei apenas que às vezes
ele está lá. Também não sei o que ele representa para nós, cidadãos lúcidos de hoje.
Talvez aquele homem amante dos livros seja somente alguém mais autentico de que
todos nós, porque vê a sua fantasia como verdadeira e a vivi como sua verdade.
Nós, ao contrário, não cremos existir qualquer verdade, e ainda fantasiamos as
nossas mentiras, revestindo-as de glitter para convencer aos nossos
interlocutores.
Epitácio Rodrigues da Silva