domingo, 6 de outubro de 2019

SERÁ MESMO COMO EU ACHO?


Assistindo a um programa de TV, desses sensacionalistas que fazem tudo para ter alguma audiência, o apresentador fazendo exploração midiática de um tema considerado polêmico, soltou a famosa e vazia afirmação: “quero deixar claro que eu não tenho preconceitos, mas...” Quando alguém diz essa frase, o que vem depois do “mas” normalmente anula tudo o que disse antes. Dizer eu não tenho preconceito, mas... é como uma forma de se resguardar, antes de vomitar algum tipo de preconceito.
É ingenuidade crer que exista alguém isento de preconceitos. Cada um de nós, reles mortais, antes de justificar que não é preconceituoso ou preconceituosa, devia ao menos se dar ao trabalho de perguntar o que está entendendo por preconceitos; como eles são gestados socialmente e se essa separação entre pessoas preconceituosas e não preconceituosas realmente é confiável.
Voltaire, filósofo francês (que reforçou preconceitos raciais contra os negros africanos inúmeras vezes em suas obras), assim definiu o preconceito: “o preconceito é uma opinião sem julgamento.”[1] Ou seja, o preconceito é toda aquela compreensão de uma parcela da realidade que nós acolhemos, sem nos darmos ao trabalho de fazer uma análise racional mais criteriosa acerca da sua veracidade.
Quando se analisa essa definição, fica evidente que o preconceito, em um primeiro momento, está mais direcionado ao conhecimento: é um conhecimento superficial sobre algo. Portanto, no campo dos valores, não seria, ainda, nem bom e nem ruim. Outra conclusão é que, dessa perspectiva, todos nós somos portadores e até promotores de preconceitos, na medida em que carregamos visões preconcebidas e superficiais da realidade que nos cerca. Isso porque não temos condições, humanamente falando, de examinar criteriosamente todos os conhecimentos, informações e discursos com os quais entramos em contato e assimilamos cotidianamente. Sem falar que, em algumas situações, somos até estimulados a acatar como certos e não pôr em dúvida certos discursos, como o caso de alguns credos religiosos ou de supostos “valores” sociais.
Nossa visão de mundo está repleta de preconceitos históricos, geográficos, políticos, morais, estéticos, econômicos, epistemológicos, só para citar alguns, porque as relações humanas são construídas não somente a partir de valores positivos, mas também de relações de conflitos, disputas e interesses antagônicos, que afetam a maneira como enxergamos e compreendemos os outros. A partir daí, cria-se hierarquia de valores de várias ordens, que classificam e rotulam os outros, distorcendo nossa visão a respeito de pessoas e grupos humanos. Essa é uma das razões para o preconceito ser considerado uma coisa ruim.
Outra razão está no fato de essa visão de mundo ou opinião ser considerada pelo individuo como uma certeza, gerando uma postura dogmática, ou seja, que não aceita questionar ou avaliar mais criteriosamente a maneira de entender as coisas.
Se é inventável que carreguemos algum tipo de preconceito herdados da nossa cultura e que o reproduzamos, isso não é razão suficiente para, em casos de visões de mundo que respaldem situação de conflitos e ou de violência física ou simbólica contra pessoas e grupos, não coloquemos sob o tribunal da razão os fundamentos sobre os quais se edificam nosso entendimento a respeito do assunto. Penso que é praticamente impossível a gente não carregar algum tipo de preconceito, mas podemos quebrar os grilhões que nos prendem a muitos deles. Um bom começo é pararmos de justificá-los com essa medíocre desculpa do eu não tenho preconceito, mas... e começarmos a perguntar em cada situação: será mesmo como eu acho?! E partir em busca de respostas melhor fundamentadas racional e eticamente.

Epitácio Rodrigues, 06, 10,2019.



[1] Dicionário filosófico. Martin Claret, 2003, p. 428.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Participação em Coletâneas

É isso mesmo O ensaio Basta só opinar sobre tudo, é isso mesmo!? , de Epitácio Rodrigues foi aprovado para compor a Coletânea É isso mes...