Assistindo a
um programa de TV, desses sensacionalistas que fazem tudo para ter alguma
audiência, o apresentador fazendo exploração midiática de um tema considerado
polêmico, soltou a famosa e vazia afirmação: “quero deixar claro que eu não tenho
preconceitos, mas...” Quando alguém diz essa frase, o que vem depois do “mas”
normalmente anula tudo o que disse antes. Dizer eu não tenho preconceito, mas... é como uma forma de se resguardar,
antes de vomitar algum tipo de preconceito.
É ingenuidade
crer que exista alguém isento de preconceitos. Cada um de nós, reles mortais, antes
de justificar que não é preconceituoso ou preconceituosa, devia ao menos se dar
ao trabalho de perguntar o que está entendendo por preconceitos; como eles são
gestados socialmente e se essa separação entre pessoas preconceituosas e não
preconceituosas realmente é confiável.
Voltaire, filósofo
francês (que reforçou preconceitos raciais contra os negros africanos inúmeras
vezes em suas obras), assim definiu o preconceito: “o preconceito é uma opinião
sem julgamento.”[1]
Ou seja, o preconceito é toda aquela compreensão de uma parcela da realidade
que nós acolhemos, sem nos darmos ao trabalho de fazer uma análise racional
mais criteriosa acerca da sua veracidade.
Quando se
analisa essa definição, fica evidente que o preconceito, em um primeiro momento,
está mais direcionado ao conhecimento: é um conhecimento superficial sobre
algo. Portanto, no campo dos valores, não seria, ainda, nem bom e nem ruim. Outra
conclusão é que, dessa perspectiva, todos nós somos portadores e até promotores
de preconceitos, na medida em que carregamos visões preconcebidas e
superficiais da realidade que nos cerca. Isso porque não temos condições,
humanamente falando, de examinar criteriosamente todos os conhecimentos,
informações e discursos com os quais entramos em contato e assimilamos cotidianamente.
Sem falar que, em algumas situações, somos até estimulados a acatar como certos
e não pôr em dúvida certos discursos, como o caso de alguns credos religiosos
ou de supostos “valores” sociais.
Nossa visão de
mundo está repleta de preconceitos históricos, geográficos, políticos, morais,
estéticos, econômicos, epistemológicos, só para citar alguns, porque as
relações humanas são construídas não somente a partir de valores positivos, mas
também de relações de conflitos, disputas e interesses antagônicos, que afetam
a maneira como enxergamos e compreendemos os outros. A partir daí, cria-se hierarquia
de valores de várias ordens, que classificam e rotulam os outros, distorcendo
nossa visão a respeito de pessoas e grupos humanos. Essa é uma das razões para
o preconceito ser considerado uma coisa ruim.
Outra razão
está no fato de essa visão de mundo ou opinião ser considerada pelo individuo como
uma certeza, gerando uma postura dogmática, ou seja, que não aceita questionar ou
avaliar mais criteriosamente a maneira de entender as coisas.
Se é inventável
que carreguemos algum tipo de preconceito herdados da nossa cultura e que o
reproduzamos, isso não é razão suficiente para, em casos de visões de mundo que
respaldem situação de conflitos e ou de violência física ou simbólica contra
pessoas e grupos, não coloquemos sob o tribunal da razão os fundamentos sobre os
quais se edificam nosso entendimento a respeito do assunto. Penso que é
praticamente impossível a gente não carregar algum tipo de preconceito, mas
podemos quebrar os grilhões que nos prendem a muitos deles. Um bom começo é pararmos
de justificá-los com essa medíocre desculpa do eu não tenho preconceito, mas... e começarmos a perguntar em cada
situação: será mesmo como eu acho?! E
partir em busca de respostas melhor fundamentadas racional e eticamente.
Epitácio
Rodrigues, 06, 10,2019.
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