Epitácio Rodrigues da Silva
“Ah, como uma cabeça banal se parece com
outra! Elas realmente foram todas moldadas na mesma forma! A cada uma delas
ocorre a mesma ideia na mesma ocasião, e nada além disso!”
SCHOPENHAUER, Artur.
A Arte de escrever. Porto Alegre:
L&PM: 2012p.134
É muito comum nas discussões entre amigos, numa
intervenção de aluno em sala de aula, num comentário em uma rede social nos depararmos
com expressões como: “essa é minha opinião”, ou “na opinião...” ou “para
mim...”, ou “cada um tem a sua opinião e esta é a opinião dele...”.
O que há de comum nestas expressões, na maioria
das vezes, é uma contradição velada, na medida em que se postula a liberdade de
expressar a opinião ou crença de um individuo, como um direito inalienável,
mas, paradoxalmente, essa opinião é apresentada como um absoluto pelo seu
expositor. Quando diz: “essa é minha opinião”, pretende-se com essa fala fechar
a discussão e firmar o pé ali, irredutível. Assim, a suposta liberdade de
opinar, de expor sua opinião vem acompanhada de uma postura dogmática que a
postula como verdade incontestável, sem levar o sujeito que a expõe à
responsabilidade intelectual de aprofundar as razões e os fundamentos do seu
próprio pensar.
Aí residem dois graves problemas: o primeiro é
o de saber distinguir entre uma opinião e outras tipologias ou graus de
conhecimentos; o segundo, atrelado a esse, é que a opinião, ainda que tenha seu
valor, não é justificativa suficiente, quando o que está em jogo tem
implicações para toda a sociedade ou uma parcela considerável dela. Noutras
palavras, não pode ser colocado no mesmo nível de implicações coletivas para um
jovem o fato de ele ser perguntado pela sua namorada se o vestido que ela está
usando é bonito, e se as pessoas devem ser colocadas em lugares mais isolados
do contato com os clientes numa empresa porque são consideradas feias para o
padrão estético daquele grupo. As duas situações versam sobre a temática da
estética, mas a resposta da primeira exige bem menos reflexão e conhecimento do
que a segunda.
Pode-se se dizer que vivemos uma grande ágora,
na qual cada pessoa pode manifestar seus pontos de vista sobre qualquer
assunto. As pessoas têm, mediante as redes sociais, a possibilidade de
“comentar” sobre qualquer tema que esteja em alta na sociedade. Mas há uma
situação ambígua e até certo ponto problemática com relação a isso. Uma vez que
cada um pode escrever e publicar o que pensa ou o que acha, tornou-se cada vez
mais séria e urgente a necessidade de considerar o que se pensa e como se
constrói entendimentos a respeito da realidade do mundo e da vida nas suas mais
complexas e multifacetas configurações.
Achamos muito, mas sabemos pouco. Isso ocorre, em grande parte, porque
não nos damos ao trabalho de ‘checar melhor’, pôr em crise, problematizar o que
pensamos. Temos de pôr em ‘dúvida’ (Descartes) ou tentar ‘falsificar’ (Popper)
nossas certezas. Passando por esse crisol, por esse instrumento de depuração,
nossos pensamentos podem apresentar-se mais seguros (LORIERI, 2002, p 38).
Nas redes sociais, comentar é manifestar seu
ponto de vista sobre um assunto, normalmente, com poucas palavras e muito
frequentemente polarizando com outro comentador.
E é aqui que a questão da opinião ganha mais
feição de preocupação. Porque o critério mais considerado é a quantidade de
endosso ou reprovação que o texto recebe, a partir da temática ou ótica da qual
foi apresentado.
Muito apressadamente se assume um
posicionamento e, mesmo quando há posição melhor fundamentada, não há uma
disposição em rever seus posicionamentos para não passar pelo constrangimento
diante de outros expectadores virtuais.
O perigo dessa questão pode está na pressa de se
posicionar, sem considerar a complexidade de certas temáticas. Outra é que a
base para um comentário é quase sempre de caráter emocional, emotivo ou
fundamentalista. Uma pessoa não consegue perceber que seu discurso incorre em
várias contradições, porque sua base não é argumentativa, mas apaixonada ou
fiducial ou emotiva, não raro preconceituosa.
Talvez, diante dessa fala alguém possa
argumentar que, num espaço democrático, negar aos indivíduos o uso público da
palavra sob o pretexto de não serem especialistas no assunto é uma postura
antidemocrática. Isso seria uma ditadura do especialista, como o senhor da
verdade. Mas, quero reforçar que não se trata disso. O que chamo atenção é para
a necessidade de uma postura mais responsável na hora de se emitir uma opinião
a respeito de questões, cuja complexidade e a abrangência tenham consequências
diretas na forma de organização da coletividade.
Penso, por exemplo, em posicionamento que
beiram ao fascismo, à apologia de extermínio de pessoas, na maioria das vezes
tendo como pano de fundo questões de gênero, raça, condição socioeconômica e
congêneres. Há um crescimento vertiginoso de uma prática nociva de se tecer
comentários nos quais, frequentemente, uma pessoa é julgada e condenada, antes
mesmo de ser submetida a um julgamento pelos órgãos competentes.
Não é por puro pedantismo que a Filosofia
mantém viva a discussão sobre a necessidade de fundamentação do discurso. Se
hoje um comentário tem um alcance praticamente global, ele tem também uma
implicação ética na mesma extensão. O que se diz pode, dependendo da temática
sobre a qual se manifesta, ter implicações diretas na formação de uma
compreensão equivocada de um assunto. Assim, torna-se pertinente a indagação:
em que se fundamenta esse discurso sobre valores éticos e estéticos, política,
ser humano, ciência etc? Relacionado a isso, ainda que não se tenha dado a
devida importância, faz-se necessário retomar a antiga discussão a respeito da
relação entre opinião e conhecimento fundamentado, levantada pela Filosofia,
ainda no seu processo de consolidação de si.
Em que sentido a Filosofia pode contribuir para
melhorar esse cenário? Então qual é o ganho do estudo da filosofia, nesse nível
mais básico para uma relação melhor com a opinião e com o conhecimento?
A filosofia tem uma obsessão pela verdade. Isso
não quer dizer que o filósofo o seja detentor da verdade. Exatamente por não se
sentir o dono da verdade, ele se torna um vigilante da verdade, na
obscuridade dos discursos e das falas. Não é uma negação das opiniões em si,
mas a superação de um tipo de discurso cuja base é o “achismo ingênuo” e
“dogmático”.
A finalidade primeira da Filosofia não é negar,
mas buscar “provas” e “justificações racionais” para nossas “crenças e
opiniões, nossas ideias e valores, sentimentos e comportamentos” (Chaui). Digo
mais. Não somente provas e justificações racionais, mas também análise crítica
dessas crenças, opiniões, sentimentos e valores e sentimentos e comportamentos.
Isso porque é possível justificar racionalmente uma coisa, mas não analisar
criticamente seus fundamentos, o que chamamos de ideologia.
Desenvolver o hábito de comparar discursos
antagônicos, para ver as semelhanças e diferenças, as incongruências, os
interesses. Estabelecer relações de grandeza. Saber situar um discurso dentro
do seu conjunto. Suas interseções e seu fundamento. Lorieri lembra que “temos
de estimular crianças e jovens a estabelecer os mais variados tipos de relações
entre coisas e coisas, fatos e fatos, situações e situações, e, sobretudo a
estabelecer relações entre ideias, relatando-as de outro modo.” Ainda segundo o
autor, os tipos de relações são inúmeros e das mais variadas formas. Ele cita
alguns possíveis:
Relações de grau (maior e menor, por exemplo); relações de igualdade, de
semelhança, de diferença; relações parte/todo; relações de causa/efeito;
relações espaciais; relações temporais; relações de gênero; relações de número;
relações sociais; relações semânticas; relações sintáticas; relações de
transitividade; relações de reciprocidade; etc. (LARIERI, 2002, p. 116)
A opinião, como defende a tradição filosófica,
é um saber que se situa entre a ignorância, ou desconhecimento completo e a
ciência e a filosofia, enquanto saberes fundamentados a partir de uma base
metódica rigorosa. O valor da opinião está no trato das questões mais
cotidianas e imediatas, afinal, nenhum ser humano tem a obrigação de conhecer
tudo em profundidade.
Todavia, cumpre fazer a devida distinção entre
opinião e um saber mais fundamentado. Nesse sentido, as bases sobre as quais
ambos os saberes são construídos faz muita diferença. Em outras palavras,
embora eu tenha livre uso da palavra para expressar meus pontos de vista, por
questões de honestidade intelectual e por respeito às questões que estão em
jogo, quando dizem respeito à organização e interesses da coletividade, o bom
senso advoga a favor da necessidade de buscar aprofundar meu entendimento a
cerca da temática, procurando bases mais objetivas e melhor fundamentadas,
levando em conta a complexidade do assunto e as diferentes abordagens a seu
respeito.
Isso não significa que toda a opinião esteja em
descordo com a verdade dos fatos, a questão não é propriamente esta, mas a
superficialidade gnosiológica sobre a qual ela se sustenta e a pretensão de
impô-la como verdade incontestável. Nas palavras do filósofo: “essas pessoas, diremos nós, opinam sobre tudo, mas
não sabem nada a respeito das coisas sobre as quais opinam” (Platão. A Republica, 1997, p. 189)
A questão a respeito da relação entre a
Filosofia e opinião não diz respeito ao problema da verdade ou falsidade de uma
opinião, visto que uma opinião, pode ser verdadeira, ainda que seu defensor
nãos esteja em condições de justifica-la adequadamente. Pensar isso seria o
mesmo que defender que toda a opinião, pelo fato de ser uma opinião, não é
verdadeira. Essa relação não é nem lógica, nem ontologicamente necessária.
O perigo da opinião reside no fato de ser
carente de uma fundamentação mais aprofundada. Vale salientar que não é somente
pela filosofia que pode se fundamentar uma opinião. Os fatos históricos, os
embasamentos sociológicos, científicos, jurídicos e psicológicos podem ser
elementos que ampliem a compreensão sobre uma dada temática e que, portanto,
possibilita uma profundidade melhor e mais consistente ao seu expositor. A
filosofia aqui aparece como uma forma de saber que por primeiro julgou a mera
opinião como uma saber insuficiente para decidir sobre questões cuja
complexidade e as consequências dizem respeito a um número considerável de
pessoas ou grupos.
Não significa, portanto, que devemos abolir ou
nos negarmos a emitir nossa opinião sobre qualquer coisa, pelo contrário a
opinião é uma condição da nossa subjetividade, um juízo de valor provisório e
imediato que formamos e expressamos sobre um aspecto da realidade. E não há um
individuo que não faça uso dessa prática. O que se chamou atenção aqui foi para
o fato de que, hoje vivemos numa teia de comunicação que nos coloca frente a
possibilidade de manifestar o nosso parecer sobre qualquer assunto de forma
pública, assim, há que se ter um entendimento de que as temáticas possuem valor
e consequências diferentes. E que nos casos em que as implicações sociais e
coletivas são mais complexas, cumpre sempre o cuidado de aprofundar os
conhecimentos a respeito do assunto para se ter um mínimo de razoabilidade
possível na hora de emitir um juízo de valor e sempre ciente de que sua
compreensão será sempre parcial, outros elucidarão elementos que podem tornar
evidentes a fragilidade da sua própria compreensão a respeito daquela temática.
Referência
bibliográfica
CHAUI, Marilena. Boas Vindas à Filosofia. São
Paulo: wmfMartins Fontes,
2011.
__________, Introdução
à História da Filosofia: dos Pré-Socráticos a Aristóteles, Vol. 1. ed. rev. e ampl. São
Paulo: Companhia das letras: 2002.
GOBRY, Ivan. Vocabulário
grego da filosofia. São Paulo: wmfMartins
Fontes, 2007.
LORIERI, Marcos Antonio. Filosofia: fundamentos e métodos.
São Paulo: Cortez, 2002.
PLATÃO. A
República. São Paulo: Abril Cultural, 1996. (Col. Pensadores)
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