Estou
me convencendo de que numa dada fase da existência todos os projetos pessoais
confluem para o mesmo objetivo: “curtir a vida”. Não é fácil precisar o
momento, mas parece que ele se impõe na transição da adolescência para a
juventude. As razões desse fenômeno também não são muito claras. Às vezes penso
que a semelhança de comportamentos nessa etapa da vida é provocada por uma
intensa rebeldia à inexorável idade adulta que chega tiranicamente para todos
imposta pelos ditames do tempo e dos valores culturais. Não sei por que, mas o
discurso do “curtir a vida” está sempre vinculado um comportamento hedonista,
no qual a curtição da vida se dá num fluxo de múltiplas experiências de busca
de prazer imediato, intenso e efêmero associado a uma recusa de qualquer
compromisso responsável: não se quer saber de dever, de prudência e de
ponderações prévias sobre os atos. A impressão que tenho é de uma estranha
nostalgia da infância perdida, uma espécie de “Síndrome de Peter Pan”, que
transmuta o lúdico pueril em hedonismo e a heterônoma própria daquela faixa
etária em irresponsabilidade. Mas isso são apenas conjecturas, não sei
realmente qual a resposta para esse fenômeno. Porém, a máxima que melhor traduz
esse comportamento, desde os tempos antigos, reza: “comamos, bebamos e gozemos,
pois depois da morte não há prazer”. Assim, se vai beber, que o faça até perder
a lucidez; se vai comer, que seja até o diabetes ou o colesterol; se vai fazer
sexo, que seja até o limite da exaustão...
Sempre
que vejo alguém reproduzindo esse comportamento, fico com uma vaga impressão de
que curtir a vida anda lado a lado com o risco de encurtá-la.
Não
quero dizer que seja saudável viver sempre sob o julgo do “dever”. Ninguém
merece, por exemplo, viver refém de cobranças laborais, familiares, conjugais e
sem reservar um tempo para si mesmo. Considero uma tremenda estultice alguém
levantar a bandeira do “meu nome é trabalho” como o seu grande projeto de vida.
A realização pessoal não está nos extremos, como já ponderava o velho
Aristóteles, ao dizer que a excelência está no meio-termo entre o excesso e a
carência. Uma boa comida, uma boa bebida e momentos de intimidade sexual e de
adrenalina são indispensáveis para uma vida salutar. O que não dá pra conceber
é essa estranha inversão que prega o “prazer de curtir” a vida acima do “prazer
de viver”.
Epitácio Rodrigues da Silva
Crônica publicada no Jornal O Povo on line.
Link: http://www.opovo.com.br/app/opovo/jornaldoleitor/2015/07/15/noticiasjornaljornaldoleitor,3470173/viver-o-prazer-e-o-prazer-de-viver.shtml