Não vou fazer terapia por causa disso, mas uma das
frustrações que levarei comigo ao túmulo é não saber cozinhar. Fico fascinado
com a mistura de condimentos e temperos que dão aos pratos um sabor
irresistível, quando preparados por mãos competentes. Acho até que as próprias
mãos que os misturam fazem parte da magia do sabor.
Talvez porque na minha infância não pegasse bem ser
entendido no assunto, o pouco que aprendi foi por falta de opção. Numa família
de nove irmãos, não dá pra fugir dessa possibilidade quando se está entre os
seis primeiros e todos homens. O costume era bastante simples: os mais novos,
até alcançar a idade para ir trabalhar na roça ficavam em casa ajudando a mãe
nas tarefas domesticas. Mas sempre fui melhor lavando pratos e varrendo a casa.
Essa falta de confiança na capacidade culinária foi e ainda é o meu algoz.
Sei que nem sempre os mestres da alquimia culinária
foram bem quistos e estiveram em alta como agora. Basta lembrar a quantidade de
homens e mulheres que foram queimados sob acusação de bruxaria pelo dever de
ofício: misturar condimentos. Quantos reis não se sentiram ameaçados pelos
cozinheiros, temerosos que eles preparassem um cardápio perigoso e letal como
refeição real. De bruxas, feiticeiros, conspiradores e tantas outras calúnias,
o que não faltavam eram acusações contra os mestres do bom sabor.
Mas, verdade seja dita, o maior dos malefícios que
cometeram contra eles foi relegar ao esquecimento suas ações terapêuticas. Era
a boa comida e boa bebida que curavam as pessoas, como somente agora a medicina
oficial parece aceitar. Mas esses alquimistas da culinária nos legaram outra
riqueza que está no nosso vocabulário cotidiano e não nos damos conta. Talvez
quem já passou pela experiência de receber um diagnóstico de um psicólogo
dizendo coisas estranhas com termos esquisitos, tenha sentido saudade daquelas
frases de cozinheiros: “você é uma pessoas doce”; “ela é muito sem sal”;
“aquela criança é uma pimenta malagueta” e “fulana é uma pessoa azeda”.
Realmente, a linguagem desses terapeutas profissionais nos parece ainda muito
crua e indigesta, quando comparadas às saborosas classificações da nossa
personalidade que nos legaram aqueles alquimistas do sabor.
Epitácio
Rodrigues da Silva
Crônica publicada
no Jornal O Povo on-line. Link: http://www.opovo.com.br/app/jornaldoleitor/noticiassecundarias/cronicas/2015/07/10/noticiajornaldoleitorcronicas,3467903/psicologia-de-chef.shtml
Nenhum comentário:
Postar um comentário