terça-feira, 14 de julho de 2015

PSICOLOGIA DE CHEF


  
Não vou fazer terapia por causa disso, mas uma das frustrações que levarei comigo ao túmulo é não saber cozinhar. Fico fascinado com a mistura de condimentos e temperos que dão aos pratos um sabor irresistível, quando preparados por mãos competentes. Acho até que as próprias mãos que os misturam fazem parte da magia do sabor.
Talvez porque na minha infância não pegasse bem ser entendido no assunto, o pouco que aprendi foi por falta de opção. Numa família de nove irmãos, não dá pra fugir dessa possibilidade quando se está entre os seis primeiros e todos homens. O costume era bastante simples: os mais novos, até alcançar a idade para ir trabalhar na roça ficavam em casa ajudando a mãe nas tarefas domesticas. Mas sempre fui melhor lavando pratos e varrendo a casa. Essa falta de confiança na capacidade culinária foi e ainda é o meu algoz.
Sei que nem sempre os mestres da alquimia culinária foram bem quistos e estiveram em alta como agora. Basta lembrar a quantidade de homens e mulheres que foram queimados sob acusação de bruxaria pelo dever de ofício: misturar condimentos. Quantos reis não se sentiram ameaçados pelos cozinheiros, temerosos que eles preparassem um cardápio perigoso e letal como refeição real. De bruxas, feiticeiros, conspiradores e tantas outras calúnias, o que não faltavam eram acusações contra os mestres do bom sabor.
Mas, verdade seja dita, o maior dos malefícios que cometeram contra eles foi relegar ao esquecimento suas ações terapêuticas. Era a boa comida e boa bebida que curavam as pessoas, como somente agora a medicina oficial parece aceitar. Mas esses alquimistas da culinária nos legaram outra riqueza que está no nosso vocabulário cotidiano e não nos damos conta. Talvez quem já passou pela experiência de receber um diagnóstico de um psicólogo dizendo coisas estranhas com termos esquisitos, tenha sentido saudade daquelas frases de cozinheiros: “você é uma pessoas doce”; “ela é muito sem sal”; “aquela criança é uma pimenta malagueta” e “fulana é uma pessoa azeda”. Realmente, a linguagem desses terapeutas profissionais nos parece ainda muito crua e indigesta, quando comparadas às saborosas classificações da nossa personalidade que nos legaram aqueles alquimistas do sabor.

Epitácio Rodrigues da Silva

Crônica publicada no Jornal O Povo on-line. Link: http://www.opovo.com.br/app/jornaldoleitor/noticiassecundarias/cronicas/2015/07/10/noticiajornaldoleitorcronicas,3467903/psicologia-de-chef.shtml

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