segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Sugestão de Amigo



Hoje vou escrever rapidamente esta crônica. Pois tenho de acertar contas com amigo, melhor dizer ex-amigo. Não sou de falar da minha vida, muito pior de me envolver em brigas, mas peço que ouça a minha história e veja se não tenho razão.
Há uns seis meses atrás, disse a um amigo que estava sem inspiração para escrever. Ele me aconselhou a frequentar um bar muito famoso aqui da cidade.
- Ali não falta assunto. – disse ele - quando o pessoal bebe, começa a falar e aparece cada história que lhe faltará é tempo para escrever as crônicas que virão à mente a partir das situações pitorescas dos frequentadores desse bar.
Em princípio, não me pareceu uma ideia tão ruim. A única coisa que me incomodava era o fato de eu, até aquela data, nunca ter ingerido uma gota de álcool. Assim mesmo, resolvi acompanhá-lo ao bar.
No primeiro dia, ele sugeriu logo.
- Para fazer amizade com o pessoal, você chega lá pagando logo uma rodada de cana pra galera começar a soltar a língua. Apesar da desconfiança em relação à proposta, resolvi concordar. Dito e feito! Tão logo o pessoal começou a beber, surgiram as primeiras histórias. Porém, o nível não estava muito bom.
Ouvi atentamente, mas resolvi apostar no dia seguinte. O problema foi esse tal de dia seguinte.
Meses depois, minha esposa, começou a me questionar sobre os resultados desse projeto. Isso porque o meu salário estava ficando quase todo no bar. Com uma diferença: agora, além de pagar, eu bebia junto. As feiras, a mensalidade da escola das crianças e outros compromissos ficaram todos nas costas dela. Por causa de uma compra a prazo que fiz no comercio, meu nome foi parar no SPC (serviço de proteção de crédito).
Nos finais de semana passava o dia praticamente inteiro no bar. A situação era tão sintomática que bastava eu ir em direção à porta, pra meu filho perguntar:
- Já vai beber, de novo!?
Para me esquivar dessa e de outras cobranças e reclamações tanto da esposa quanto das crianças, passei a sair do trabalho e ir direto ao bar. Sinceramente, não entendia porque era tão difícil entender a importância daquele bar para alavancar a minha carreira como escritor. Cansado dessa situação, eu protelava a chegada em casa até a hora de dormir, assim não tinha que ouvir cobranças.
Minha filha, além de, às vezes, ir me buscar naquele ambiente, passou a odiar literatura, achando que os escritores são todos beberrões, pais negligentes e péssimos maridos.
Como já faz algumas semanas que estou dormindo na garagem, ontem quando cheguei em casa não percebi nenhuma movimentação.
- Já tão dormindo, melhor assim! - Pensei.
Mas, ao acordar, minutos atrás, encontrei um bilhete educado:
Eu e as crianças vamos passar uma temporada na casa dos meus pais, até que essa situação se resolva.
Então, após seis meses desde que escrevi a última crônica, resolvi fazer um balanço do que mudou na minha carreira de literato, depois da sugestão daquele meu amigo: em casa e no trabalho sou visto como um alcoólatra e irresponsável; no comércio local, ganhei a fama de caloteiro, e não tenho mais crédito algum; cansados de acreditar que eu ainda tinha jeito, minha família desistiu de mim jeito e foi-se embora.
Sem o apoio da família, sem dinheiro, sem crédito, só agora percebo: a razão que me levou ao bar, e ao consequente desmantelo da minha vida, não me trouxe nenhuma inspiração. pelo contrário, até parei de escrever, pois muito cedo descobri que os pinguços frequentadores de bar contam sempre a mesma história, todos os dias e uma centena de vezes.
Então, caro leitor, depois de lhe contar tudo isso, pergunto:
 - Tenho ou não motivos para querer, depois de escrever esta crônica, ir acertar as contas com esse meu ex-amigo?
Só espero que, chegando ao bar, ele não me chame para beber uma antes.


Epitácio Rodrigues da Silva, 13/02/2017

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Participação em Coletâneas

É isso mesmo O ensaio Basta só opinar sobre tudo, é isso mesmo!? , de Epitácio Rodrigues foi aprovado para compor a Coletânea É isso mes...