Por muito tempo convivemos com
uma separação entre pessoas famosas e pessoas comuns: nós, do lado de cá, elas
do lado de lá. Isso porque alcançar um reconhecimento público em escala
nacional era uma jornada muito difícil. Porém, parece que a internet fez cair
por terra os muros que separavam as pessoas famosas das comuns.
Com o suposto fim das barreiras
que enquartelavam o monopólio da fama, as pessoas “comuns” foram tomadas por
uma sensação de que é possível um “faça sua fama você mesmo”. Foi-se o tempo em
que ter o nome na capa de um livro era uma coisa muito difícil. Hoje, qualquer
pessoa que tenha um nível mediano de escolaridade pode tornar-se um escritor e
publicar um livro numa dessas editoras de autopublicação e ainda ter sua obra
exposta numa loja virtual ao lado dos escritores já consagrados pelo público
leitor. Com uma conta no youtube, ela pode ter seu próprio programa, seu
reality show; com perfis nas redes sociais pode postar e compartilhar o que
come, bebe, veste, pensa ou não pensa.
Mas, não para por aí. Dentre as
mudanças advindas com a internet, está uma nova maneira de as pessoas se
relacionarem com o próprio sentido da existência. De um certo modo, existir
tornou-se sinônimo de “existir para o mundo”. Não se trata de um existir para o
mundo somaticamente, em carne e osso, mas de uma forma de existência virtual e
performática, na qual se condensam numa mesma imagem um conceito de profissão,
fama, poder (visto como influência sobre outras pessoas), renda e
reconhecimento social.
Os parâmetros de realização –
entenda-se sucesso – é estabelecido pelo número de visualizações, curtidas e
compartilhamentos de posts; pelo
número de seguidores, like e deslike em canais e perfis de redes sociais. O
aumento desses índices passou a ser a meta das interações nos ambientes
virtuais e também o termômetro da famosidade.
Esse novo modo de existência
cujo sentido se assenta na busca de visibilidade virtual é tão intenso que
possui uma lexicografia própria: like, deslike, visualizações, cutucadas,
seguidores, joinha, canal digital, digital influência, youtuber, perfil, legião
de seguidores e congeneres. Até mesmo algumas expressões como amigo ganharam configurações
conceituais diferentes: ser amigo, num ambiente virtual, é seguir, comentar e
compartilhar postagens de alguém.
Não preciso dizer que nem todo
mundo concorda com essas inovações na maneira de se viver. Aliás, algumas
pessoas condenam, enfaticamente, tudo isso por considera-la uma forma de
alienação, uma perda de tempo, ocupação de desocupados que não têm coragem de
trabalhar de verdade. Penso que essa recente configuração da nossa existência
é, em muitos aspectos, um caminho sem volta. Está aí. Não pode ser negada, nem
abandonada sumariamente. O ambiente virtual é um novo espaço de interação
humana e que altera profundamente a nossa forma de compreender a própria vida. Não
dá para ignorar isso! O que precisamos fazer? Aprender a vivenciar essa
experiência da forma mais saudável que pudermos, buscando entender os riscos
aos quais estamos sujeitos nesse redesenho do nosso ser-no-mundo.
Penso que o nosso papel não é
negar o óbvio, mas sugerir aos que se aventuram nessa empreitada do “faça você
mesmo sua fama” que tirem o melhor proveito das lições dos famosos e famosas
das antigas, sobretudo aquela que ensina: “existe uma diferença entre pessoa e
personagem, entre ser e parecer”. Assim, a busca por visibilidade e
visualizações como termômetros de fama não pode ser entendida como um sentido da
existência porque o virtual é imagem e somos muito mais do que isso. Uma imagem
nunca vai dar conta de tudo o que somos e do sentido que buscamos para a nossa
existência.
Epitácio Rodrigues,
22/09/2019
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