Acordei bem cedo. Era uma daquelas manhãs de domingo
ensolaradas que nem de longe lembrava a noite de intensa chuva que a
antecedera, a não ser pelo cheiro de terra molhada.
Arrumei-me às pressas e foi à missa às 06h30min da manhã,
pois queria ter o dia inteiro livre de qualquer preocupação. Na igreja, durante
toda a missa, sentia o cheiro da terra molhada que entrava pelas portas
laterais e contagiava o ambiente. Dava para ouvir o cantarolar dos pássaros
como um hino de louvor a Deus por aquela manhã tão bonita. Esforçava-me para me
concentrar nas palavras eruditas do padre, mas a terra molhada a exalar o seu
olor, o sol a irradiar o ambiente, o canto alegre dos pássaros, tudo era
infinitamente mais eloquente, tudo isso falava de alegria, de transbordamento,
de vida.
Das palavras do pregador, só uma frase me despertou do
sonho poético: “a família é uma benção de Deus”. “A família” esta palavra
ecoava em minha mente como um mantra suave.
Na simpática Londrina, longe qualquer parente, comecei a me
sentir um estrangeiro rodeado por rostos desconhecidos. Aos poucos, deixei-me
levar pelos ventos suaves das lembranças. Paulatinamente, iam surgindo as
imagens dos meus entes queridos. As cenas de minha infância passavam diante dos
olhos como um filme nostálgico. Recordei-me do quanto estava longe de minha
família: “longe, mas não distante!” dizia no meu íntimo como uma espécie de
justificativa ou consolo para aquietar a saudade que se alojara no meu coração.
- Ide em Paz e que o Senhor vos acompanhe! - disse o padre,
quebrando o elo nostálgico que me ligava aos meus familiares.
Só então, percebi que a missa acabara. Segui, ainda
absorto, a procissão que retornava a sua casa. Pela primeira vez, não fiquei
incomodado com os passos lentos das velhinhas na saída da Igreja. Eu não estava
ali, o vento que me levou ao passado ainda não havia me devolvido ao presente.
- O senhor vai almoçar fora? Perguntou a senhora que
trabalhava na pensão. O espanto com a pergunta, fez-me perceber que estava de
volta à pensão, sentado numa das mesas do refeitório. Permaneci em silêncio.
Pensei no sol brilhante lá fora, no cheiro da terra molhada, no canto do galo
de campina, lembrei dos tempos pueris em minha terra natal, quando saia nas
manhãs de domingo, para brincar de bola, conversar nas esquinas e desfrutar
destes pequenos prazeres de uma vida interiorana. O tempo as reduzira a imagens
fugazes e fugidias, evocadas com muito esforço pela memória. Foram apenas
alguns segundos de “recuerdos”?
- Deus meu, como pode se reduzir uma vida inteira a
segundos de recuerdos? Como é cruel a memória!- balbuciei para mim mesmo.
- O que a senhora disse?! Perguntei tentando voltar à
realidade.
- Senhor, eu perguntei se vai almoçar fora.
- Sim, vou almoçar fora hoje! Respondi resoluto.
Todavia, não queria fazer com fizera todos os outros
domingos. Sair para um restaurante, sentar-me solitário à mesa e engolir uma
lasanha. Era um ritual deveras desprezível.
- A família é uma bênção de Deus! - voltou a fazer eco na
memória as palavras do pregador. Levantei-me da mesa e foi ler as notícias,
precisava fugir deste eco incômodo. Vi notícias de guerra na Chechena, de armas
atômicas na Coréia do Norte e o perigo de uma terceira guerra mundial; os
sintomas depressivos advindos da falta de empregos causada pela globalização.
- É muita destruição para uma manhã de domingo – pensei.
Olhei as horas, faltavam quinze minutos para as oito. Tirei
o carro da garagem e sai.
- Para onde vou? Pensei em fazer uma visita a uma senhora
muito amiga, mas não recordava o endereço; depois de algumas voltas sem sucesso
preciso, resolvi desistir de tentar encontrar a casa. Lembrei-me de um casal de
amigos por quem nutria grande apreço, mas os havia visitado na noite anterior.
- Não! é preciso dar às pessoas um pouco de liberdade para
aproveitar com a família. – pensei!
Quando tudo parecia sem jeito, recordei-me de uma família
que sempre me convidava para suas comemorações de aniversários. Fiz a curva e
dirigi-me para lá. Já não precisava andar em círculos de quadra em quadra na
esperança de encontrar alguém. Quando cheguei em frente à casa, as portas estavam
fechadas.
- Eles foram para o sítio- disse o vizinho da esquerda.
Entrei no carro, liguei, fiz a curva e voltei à pensão.
Senti o sol aquecer a minha pele, ouvi o cantar muito alegre dos pássaros,
aspirei ao odor de terra molhada. Tudo estava tão vivo, tão radiante, tão
alegre, mas tão longe de minha existência.
Sai do carro, abri a porta de meu quarto e deitei sobre a
cama. Pensei no sol, na terra molhada e nos pássaros a cantar e adormeci com um
mantra incomodo, mas muito real: - A família é uma bênção de Deus(...) Ide em
paz e que o senhor vos acompanhe!
E assim adormeci, sozinho, recordando uma verdade que por
mais que me maltratasse, não podia ser outra.
- Família é uma bênção
de Deus (...) Ide em paz e que o Senhor vos acompanhe!
Epitácio Rodrigues, 12/01/2015
(Crônica publicada no jornal O Povo on line, em 12/01/2015. Link:http://www.opovo.com.br/app/jornaldoleitor/noticiassecundarias/cronicas/2015/01/12/noticiajornaldoleitorcronicas,3375930/o-domingo.shtml
(Crônica publicada no jornal O Povo on line, em 12/01/2015. Link:http://www.opovo.com.br/app/jornaldoleitor/noticiassecundarias/cronicas/2015/01/12/noticiajornaldoleitorcronicas,3375930/o-domingo.shtml
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