quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

O PERDÃO





Dias atrás, no corredor da escola, um aluno me perguntou se eu achava justa a atitude do pai na “história” do filho pródigo. Apesar de achar que o assunto diz respeito mais à Teologia do que a Filosofia, comecei a explicar que o objetivo da narração era evidenciar a misericórdia de pai. Mas ele insistiu:

- O senhor acha certo ele perdoar o filho mais novo? Será que ele foi justo com o mais velho?

Antes que pudesse responder, chegamos ao portão da escola. Aliás, esse é o problema das dúvidas de corredor. Elas nunca terão o tempo necessário para ser adequadamente respondidas. Mas o questionamento me fez pensar sobre o que se entende por perdão.

Pra começar, o perdão só existe como ato voluntário de alguém a outrem não por seus méritos, por isso é que ele revela o lado bom do ser humano. Sei que algumas pessoas dizem que esse ato é mais uma manobra para esconder a própria fraqueza: perdoar é para os fracos! Uma expressão da covardia de quem, sem ter coragem de devolver na mesma moeda, assume esta postura débil, mascarando-a de bondade.

O perdão é muito mais uma experiência de libertação, profundamente vinculada ao fenômeno da ofensa e do rancor. Toda ofensa supõe: uma relação interpessoal; um ofensor e um ofendido; uma ruptura ou crise dessa relação intersubjetiva. A ofensa, uma vez interposta nessa relação, impõe-se igualmente um culpado, frente ao qual tem-se duas alternativas extremas e uma intermediária. Situações extremas e proporcionalmente inversas: a vingança e o perdão; a intermediária, a justiça: “a cada um de acordo com o que lhe compete”.

Deseja vingança quem está rancorosamente estagnado no fato e momento da ofensa. O rancor fixa-nos na ofensa: aprisiona-nos naquele momento, naquele espaço e naquele fato. Mas não é só isso: vivemos aquele momento aprisionados pelo rancor, mas a pessoa que nos ofendeu permanece prisioneira nele dentro de nós. Vê-la, pensar nela é voltar á mesma cena, ao mesmo fato ao mesmo momento: o rancor é uma das prisões sem muros. Deseja a justiça quem se sente prejudicado pela ofensa e quer ser reparado do seu prejuízo material ou moral.

No caso do perdão é uma ação libertadora, voluntária, imerecida e consciente. Por isso, perdoar é uma das expressões mais eloquentes manifestação da capacidade de transcendência do ser humano. A ofensa sofrida causa grandes feridas na sensibilidade humana, guardar o rancor e alimentar o desejo de vingança são nossas compulsões mais naturais, não há nada de extraordinário nisso. Já o perdão é ato imerecido (é dispensado a quem é culpado da ofensa), voluntário (só acontece se você quiser) e consciente (você não esquece o dano causado) de rompimento com o rancor. É por isso que se chama perdão (per - para; donare - doar).

De tudo o que foi dito, ainda que de modo sumário, fica evidente para nós que é mais fácil alimentar a vingança do que perdoar. Assim, aos que pregam ser o perdão um sinal de fraqueza, devemos ao menos fazê-los perceber que é preciso muita coragem para empreender um ato tão bravo de covardia. O que não é o mesmo que esquecer. Pois como dizíamos, o perdão é um ato consciente, de tal modo que, longe de ser um esquecimento da ofensa, é sobretudo um processo de libertação do outro, mediante a experiência de auto-libertação de si. Perdoar é tomar a resoluta decisão de abrir essa prisão sem muros interior e dizer ao outro: ide em paz!
Epitácio Rodrigues
(Crônica publicada no jornal O Povo, Fortaleza-CE, dia 16/01/2015 , link : http://www.opovo.com.br/app/jornaldoleitor/noticiassecundarias/cronicas/2015/01/26/noticiajornaldoleitorcronicas,3383121/o-perdao.shtml)

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