Dias atrás, no corredor da escola, um aluno me perguntou se
eu achava justa a atitude do pai na “história” do filho pródigo. Apesar de
achar que o assunto diz respeito mais à Teologia do que a Filosofia, comecei a
explicar que o objetivo da narração era evidenciar a misericórdia de pai. Mas
ele insistiu:
- O senhor acha certo ele perdoar o filho mais novo? Será
que ele foi justo com o mais velho?
Antes que pudesse responder, chegamos ao portão da escola.
Aliás, esse é o problema das dúvidas de corredor. Elas nunca terão o tempo
necessário para ser adequadamente respondidas. Mas o questionamento me fez
pensar sobre o que se entende por perdão.
Pra começar, o perdão só existe como ato voluntário de
alguém a outrem não por seus méritos, por isso é que ele revela o lado bom do
ser humano. Sei que algumas pessoas dizem que esse ato é mais uma manobra para
esconder a própria fraqueza: perdoar é para os fracos! Uma expressão da covardia
de quem, sem ter coragem de devolver na mesma moeda, assume esta postura débil,
mascarando-a de bondade.
O perdão é muito mais uma experiência de libertação,
profundamente vinculada ao fenômeno da ofensa e do rancor. Toda ofensa supõe:
uma relação interpessoal; um ofensor e um ofendido; uma ruptura ou crise dessa
relação intersubjetiva. A ofensa, uma vez interposta nessa relação, impõe-se
igualmente um culpado, frente ao qual tem-se duas alternativas extremas e uma
intermediária. Situações extremas e proporcionalmente inversas: a vingança e o
perdão; a intermediária, a justiça: “a cada um de acordo com o que lhe
compete”.
Deseja vingança quem está rancorosamente estagnado no fato
e momento da ofensa. O rancor fixa-nos na ofensa: aprisiona-nos naquele
momento, naquele espaço e naquele fato. Mas não é só isso: vivemos aquele
momento aprisionados pelo rancor, mas a pessoa que nos ofendeu permanece
prisioneira nele dentro de nós. Vê-la, pensar nela é voltar á mesma cena, ao
mesmo fato ao mesmo momento: o rancor é uma das prisões sem muros. Deseja a
justiça quem se sente prejudicado pela ofensa e quer ser reparado do seu
prejuízo material ou moral.
No caso do perdão é uma ação libertadora, voluntária,
imerecida e consciente. Por isso, perdoar é uma das expressões mais eloquentes manifestação
da capacidade de transcendência do ser humano. A ofensa sofrida causa grandes
feridas na sensibilidade humana, guardar o rancor e alimentar o desejo de
vingança são nossas compulsões mais naturais, não há nada de extraordinário
nisso. Já o perdão é ato imerecido (é dispensado a quem é culpado da ofensa), voluntário
(só acontece se você quiser) e consciente (você não esquece o dano causado) de rompimento
com o rancor. É por isso que se chama perdão (per - para; donare - doar).
De tudo o que foi dito, ainda que de modo sumário, fica
evidente para nós que é mais fácil alimentar a vingança do que perdoar. Assim,
aos que pregam ser o perdão um sinal de fraqueza, devemos ao menos fazê-los
perceber que é preciso muita coragem para empreender um ato tão bravo de
covardia. O que não é o mesmo que esquecer. Pois como dizíamos, o perdão é um
ato consciente, de tal modo que, longe de ser um esquecimento da ofensa, é
sobretudo um processo de libertação do outro, mediante a experiência de
auto-libertação de si. Perdoar é tomar a resoluta decisão de abrir essa prisão
sem muros interior e dizer ao outro: ide em paz!
Epitácio Rodrigues
(Crônica publicada no jornal O Povo, Fortaleza-CE, dia 16/01/2015 , link : http://www.opovo.com.br/app/jornaldoleitor/noticiassecundarias/cronicas/2015/01/26/noticiajornaldoleitorcronicas,3383121/o-perdao.shtml)
(Crônica publicada no jornal O Povo, Fortaleza-CE, dia 16/01/2015 , link : http://www.opovo.com.br/app/jornaldoleitor/noticiassecundarias/cronicas/2015/01/26/noticiajornaldoleitorcronicas,3383121/o-perdao.shtml)
Nenhum comentário:
Postar um comentário