quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

PERGUNTAS DE UM INSONE



Quase toda noite fico horas implorando ao sono que venha ao meu encontro, mas só sinto insônia e impaciência de estar acordado. Eu realmente gostaria de saber: afinal, para que serve uma insônia?
Enquanto o mundo dorme, eu estou desperto. Aproveito o grande silêncio para dialogar com filósofos, teólogos, sociólogos, pensadores políticos, humanistas; enfim, o interlocutor é escolhido pelo acaso. Entro na minha biblioteca quase sempre recordando as palavras de Maquiavel: numa carta a um amigo, ele conta que toda noite vestia sua roupa de gala e passava quatro horas no seu escritório conversando com os grandes homens do passado.
Hoje, mais uma vez insone, peguei o livro Introdução à Filosofia, de Roland Corbisier, um filósofo brasileiro. Não sei ao certo porque o escolhi, talvez para evitar temas teológicos. Ontem à noite li um salmo que dizia sobre Deus: “não dorme e nem cochila aquele que é o guarda de Israel”. Não quero ter essa mesma “sorte”. Se a insônia for a ocupação de quem está no céu, confesso que não me agrada a possibilidade de, após uma vida inteira com insônia, descobrir que a eternidade é apenas um perpetuar desse estado. Aliás, eu espero mesmo que esse negócio de ver e ouvir tudo, o tempo todo, seja só para Deus. E que para nós, pobres humanos, morrer seja, como disse Mauro Quintana, “finalmente poder dormir de sapatos”. Afinal de contas, quem dorme antes mesmo de tirar os sapatos não deve ter problema de falta de sono.
Bom, o fato é que, entediado demais para ler sobre o Céu, retomei uma leitura da semana passada. O livro estava marcado na página 126. Ali podia se ler: “o homem pergunta. E, por que pergunta? Porque precisa perguntar. Mas, por que precisa perguntar? Precisa perguntar porque não sabe e precisa saber, saber o que é o mundo em que se encontra e no qual deve viver.” E logo em seguida apresentou o veredicto: “para o ser humano o conhecimento não é facultativo, mas indispensável, uma vez que sua sobrevivência depende dele”.
Concordamos sobre isso: realmente o homem é um ser que pergunta. Talvez essa mania de arguir, de indagar seja porque o perguntar e o existir precisem andar juntos. Aliás, a cada insônia me convenço mais de que o ser humano é uma pergunta cuja resposta foi apenas balbuciada e está longe de ser satisfatoriamente respondida. Perguntar é a manifestação do nosso incontido desejo de saber viver. Desejo que nos move no projeto de ser-mais o que precisamos ser e sabemos que ainda não somos. O homem concreto, comum, embora incompleto, anseia por realizar-se, por completar-se, por uma plenitude: o ser humano de hoje deve ser superado, o que ele deve ser é ainda um projeto inconcluso.
Queria encontrar uma resposta, mas Corbisier só me falou da necessidade da pergunta. O problema de toda pergunta é que a resposta que a sacia abre o horizonte para outras tantas... Por falar em horizonte, o sol já começa a despontar. Um novo dia se inicia e minha pergunta continua sem resposta: afinal, para que serve uma insônia? Talvez, à noite, leia sobre psicologia. Porém, estou me convencendo de uma coisa: se essa situação não mudar logo, hoje sou um homem insone; amanhã serei ou um homem insigne ou um homem insano.

Epitácio Rodrigues, 18/01/2015
(Crônica publicada na Revista da Cultura, 18/02/2015 -  
link: http://www.revistadacultura.com.br/resultado/15-02-18/PERGUNTAS_DE_UM_INSONE.aspx).



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Participação em Coletâneas

É isso mesmo O ensaio Basta só opinar sobre tudo, é isso mesmo!? , de Epitácio Rodrigues foi aprovado para compor a Coletânea É isso mes...