Quase
toda noite fico horas implorando ao sono que venha ao meu encontro, mas só
sinto insônia e impaciência de estar acordado. Eu realmente gostaria de saber:
afinal, para que serve uma insônia?
Enquanto
o mundo dorme, eu estou desperto. Aproveito o grande silêncio para dialogar com
filósofos, teólogos, sociólogos, pensadores políticos, humanistas; enfim, o
interlocutor é escolhido pelo acaso. Entro na minha biblioteca quase sempre recordando
as palavras de Maquiavel: numa carta a um amigo, ele conta que toda noite vestia
sua roupa de gala e passava quatro horas no seu escritório conversando com os
grandes homens do passado.
Hoje,
mais uma vez insone, peguei o livro Introdução
à Filosofia, de Roland Corbisier, um filósofo brasileiro. Não sei ao certo
porque o escolhi, talvez para evitar temas teológicos. Ontem à noite li um
salmo que dizia sobre Deus: “não dorme e nem cochila aquele que é o guarda
de Israel”. Não quero ter essa mesma “sorte”. Se a insônia for a ocupação
de quem está no céu, confesso que não me agrada a possibilidade de, após uma
vida inteira com insônia, descobrir que a eternidade é apenas um perpetuar
desse estado. Aliás, eu espero mesmo que esse negócio de ver e ouvir tudo, o tempo
todo, seja só para Deus. E que para nós, pobres humanos, morrer seja, como
disse Mauro Quintana, “finalmente poder dormir de sapatos”. Afinal de contas,
quem dorme antes mesmo de tirar os sapatos não deve ter problema de falta de
sono.
Bom,
o fato é que, entediado demais para ler sobre o Céu, retomei uma leitura da
semana passada. O livro estava marcado na página 126. Ali podia se ler: “o homem pergunta. E, por que pergunta?
Porque precisa perguntar. Mas, por que precisa perguntar? Precisa perguntar porque
não sabe e precisa saber, saber o que é o mundo em que se encontra e no qual
deve viver.” E logo em seguida apresentou o veredicto: “para o ser humano o
conhecimento não é facultativo, mas indispensável, uma vez que sua
sobrevivência depende dele”.
Concordamos
sobre isso: realmente o homem é um ser que pergunta. Talvez essa mania de
arguir, de indagar seja porque o perguntar e o existir precisem andar juntos.
Aliás, a cada insônia me convenço mais de que o ser humano é uma pergunta cuja
resposta foi apenas balbuciada e está longe de ser satisfatoriamente
respondida. Perguntar é a manifestação do nosso incontido desejo de saber
viver. Desejo que nos move no projeto de ser-mais o que precisamos ser e sabemos que ainda
não somos. O homem concreto, comum, embora incompleto, anseia por
realizar-se, por completar-se, por uma plenitude: o ser humano de hoje deve ser
superado, o que ele deve ser é ainda um projeto inconcluso.
Queria encontrar
uma resposta, mas Corbisier só me falou da necessidade da pergunta. O problema
de toda pergunta é que a resposta que a sacia abre o horizonte para outras
tantas... Por falar em horizonte, o sol já começa a despontar. Um novo dia se
inicia e minha pergunta continua sem resposta: afinal, para que serve uma
insônia? Talvez, à noite, leia sobre psicologia. Porém, estou me convencendo de
uma coisa: se essa situação não mudar logo, hoje sou um homem insone; amanhã serei ou um homem insigne ou um homem insano.
Epitácio Rodrigues, 18/01/2015
(Crônica publicada na Revista da Cultura, 18/02/2015 -
link: http://www.revistadacultura.com.br/resultado/15-02-18/PERGUNTAS_DE_UM_INSONE.aspx).
(Crônica publicada na Revista da Cultura, 18/02/2015 -
link: http://www.revistadacultura.com.br/resultado/15-02-18/PERGUNTAS_DE_UM_INSONE.aspx).
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