segunda-feira, 1 de junho de 2015

MEU MAIOR MEDO




Não tenho medo de morrer. Um dia vai acontecer mesmo. Meu maior medo é de morrer e ir para o Céu.

Não, você não leu errado. Sei que para o pessimista não há nada mais desesperador do que a vitória, mas não é esse o caso. Também não se trata de loucura. Paciência com a leitura! A explicação não tarda em chegar e se ela vem de forma pausada é porque falar dos medos nunca é fácil.
Tenho medo de ir ao Céu e lá encontrar Jesus. Ele então me levará até uma sala de cinema.

Opa! Largue a pedra do preconceito e da intolerância. Não quero desrespeitar nenhuma crença. Não veja como herética a presença do cinema. Como uma amiga muito religiosa certa vez me disse: “Deus fala grego para os gregos e latim para os romanos” e eu não vejo uma forma melhor de Deus adequar a sua linguagem a fim de que eu consiga entendê-lo do que através da arte.
Jesus e eu assistiríamos a um filme em que o personagem principal era/ realizava/ conquistava tudo o que em vida, com o lado bom do meu coração, eu sonhei: bom filho, ótimo irmão, dedicado marido, atencioso pai, grande amigo, excelente professor, escritor lido...

Terminada a película, eu diria:
– Era essa a vida que eu queria ter tido. Por que vocês não me deram essa vida? Se eu tivesse essa vida eu teria sido muito mais feliz.
O maior de todos os meus medos é ouvir, olhando nos meus olhos, Jesus responder:
– Meu filho, essa seria a sua vida se você tivesse acreditado mais em você.
Depois de muito tempo, eu finalmente quebraria o silêncio com uma sincera pergunta:
– Jesus, para que lado mesmo fica o inferno?

***

Ao sair do cinema, Jesus veria que eu estava a alguns passos dali, sentado no chão, sem forças para mais nada a não ser chorar, chorar copiosamente por tudo o que poderia ter sido e não fui. Ele sentaria ao meu lado. Não diria nada. Depois de um tempo, eu sentiria o seu abraço. O choro sem fim iria, aos poucos, acabando à medida que eu ouvia novamente a voz de meu pai quando eu saí de casa e perguntei: “se não der certo, Pai, nem o emprego, nem nada, o senhor vai me aceitar de volta?” Nitidamente ouviria sua resposta: “Até se quiser desistir de tudo agora mesmo você pode voltar para casa”.
A voz era uma brisa suave que me animava e enchia o peito. Graças a ela, minha última lágrima seria enxugada; as feridas não doeriam mais; toda e qualquer dor emudeceria e nenhum medo mais existiria. Naquele abraço, minha velha e perdida amizade com Deus renascia e, depois de muito tempo, finalmente faríamos as pazes. Amém.

João Paulo Dicarvalho


Crônica publicada no jornal O Povo on line. Link: http://www.opovo.com.br/app/jornaldoleitor/noticiassecundarias/cronicas/2015/06/01/noticiajornaldoleitorcronicas,3447124/meu-maior-medo.shtml. E na página da Revista da Cultura on line. Link: http://www.revistadacultura.com.br/resultado/15-06-01/Meu_Maior_Medo.aspx

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