Não tenho medo de
morrer. Um dia vai acontecer mesmo. Meu maior medo é de morrer e ir para o Céu.
Não, você não leu
errado. Sei que para o pessimista não há nada mais desesperador do que a
vitória, mas não é esse o caso. Também não se trata de loucura. Paciência com a
leitura! A explicação não tarda em chegar e se ela vem de forma pausada é
porque falar dos medos nunca é fácil.
Tenho medo de ir ao Céu
e lá encontrar Jesus. Ele então me levará até uma sala de cinema.
Opa! Largue a pedra do
preconceito e da intolerância. Não quero desrespeitar nenhuma crença. Não veja
como herética a presença do cinema. Como uma amiga muito religiosa certa vez me
disse: “Deus fala grego para os gregos e latim para os romanos” e eu não vejo
uma forma melhor de Deus adequar a sua linguagem a fim de que eu consiga
entendê-lo do que através da arte.
Jesus e eu assistiríamos
a um filme em que o personagem principal era/ realizava/ conquistava tudo o que
em vida, com o lado bom do meu coração, eu sonhei: bom filho, ótimo irmão,
dedicado marido, atencioso pai, grande amigo, excelente professor, escritor
lido...
Terminada a película, eu
diria:
– Era essa a vida que eu
queria ter tido. Por que vocês não me deram essa vida? Se eu tivesse essa vida
eu teria sido muito mais feliz.
O maior de todos os meus
medos é ouvir, olhando nos meus olhos, Jesus responder:
– Meu filho, essa seria
a sua vida se você tivesse acreditado mais em você.
Depois de muito tempo,
eu finalmente quebraria o silêncio com uma sincera pergunta:
– Jesus, para que lado
mesmo fica o inferno?
***
Ao sair do cinema, Jesus
veria que eu estava a alguns passos dali, sentado no chão, sem forças para mais
nada a não ser chorar, chorar copiosamente por tudo o que poderia ter sido e
não fui. Ele sentaria ao meu lado. Não diria nada. Depois de um tempo, eu
sentiria o seu abraço. O choro sem fim iria, aos poucos, acabando à medida que
eu ouvia novamente a voz de meu pai quando eu saí de casa e perguntei: “se não
der certo, Pai, nem o emprego, nem nada, o senhor vai me aceitar de volta?”
Nitidamente ouviria sua resposta: “Até se quiser desistir de tudo agora mesmo
você pode voltar para casa”.
A voz era uma brisa
suave que me animava e enchia o peito. Graças a ela, minha última lágrima seria
enxugada; as feridas não doeriam mais; toda e qualquer dor emudeceria e nenhum
medo mais existiria. Naquele abraço, minha velha e perdida amizade com Deus
renascia e, depois de muito tempo, finalmente faríamos as pazes. Amém.
João Paulo Dicarvalho
Crônica publicada no jornal
O Povo on line. Link: http://www.opovo.com.br/app/jornaldoleitor/noticiassecundarias/cronicas/2015/06/01/noticiajornaldoleitorcronicas,3447124/meu-maior-medo.shtml.
E na página da Revista da Cultura on line. Link:
http://www.revistadacultura.com.br/resultado/15-06-01/Meu_Maior_Medo.aspx
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