29 de junho de 1994,
meia-noite, sentado sobre um pequeno muro em frente à sua casa, do outro lado
da rua, um jovem professor de estatura mediana, rosto de aparência comum,
amante da poesia, observava a rua. O sereno da noite cobria a paisagem como uma
nuvem branca, que combinada à iluminação pública, dava à rua uma aparência
pálida.
Junto à palidez da cor
e do sereno, pairava um silêncio quase sepulcral; nada de vozes, nada de
passos, nada de pessoas. A rua estava deserta. Apenas um grilo rasgava a noite
adormecida com o seu cricilar.
O jovem professor, sob
a luz da lua, ensaiou uns versos.
“Olhando a lua
clareando a rua...”
Olhou o conjunto: a
rua, a lua, a luz, o sereno, a poesia. Tudo era tão triste e tão deserto, sem
vida e cinza. Caçou interiormente alguma razão para não estar em sua casa, do
outro lado da rua, deitado confortavelmente na sua cama.
- O que faço aqui, em
cima do muro, meia-noite? A indagação parecia não atingir toda a eloquência do
momento.
- O que faço aqui?
Voltou seu olhar para os rascunhos em sua mão.
“Olhando a lua...”
Desde muito cedo,
quando ainda estava nos átrios da adolescência, participara de grupos de
jovens, de comunidades... E naquele tempo proclamava entusiasta a transformação
social, mas paradoxalmente, não compreendia porque era difícil acontecer.
- Se odos querem o bem,
a paz, a justiça, por que o mundo não muda? Já naquela época tais perguntas o
acompanhavam como um espectro.
Naquela noite, de 29 de
junho, porém não pareciam ser estes os grandes questionamentos daquela
solitária figura sentada sobre um muro de um metro e vinte.
- O que faço aqui?
Cada vez que este
questionamento surgia, sua mente lançava-se nas cortinas de poeira que apagara
da consciência seus dias. As lembranças, aos poucos, iam espalhando a poeira
que envolvia o arquivo da memória.
Paulatinamente
começavam a surgir pessoas, paisagens, presenças. Seu trabalho, tão mal
remunerado que dava para entrar no livro dos recordes. Não há muitas glorias no
oficio de professor. A sala, o quadro negro descascando-se de tão velho; o giz
de cal; o piso vermelho de cerâmica; os alunos, sonolentos, depois de um dia
devotado ao labor do campo. Outros alunos, verdade seja dita, não sabiam
claramente para que estavam ali.
Após a sua última aula,
o professor caminha até a sua casa-
percurso devia durar oito a dez minutos – senta-se no muro em frente a sua
residência, convicto de uma única coisa: não sabe porque ainda faz aquilo,
naquele lugar, naquela vida. Enquanto estava mergulhado em suas elucubrações,
foi tomado por um grande espanto.
- Tudo é efêmero! –
disse atônito. Os rascunhos caíram de suas mãos sem que ele se desse conta.
Tinha os fixos na rua, mas parecia absorto em si mesmo. A felicidade é uma
busca frustrada. Uma máscara a esconder o que, de fato, oprime a todos nós: o
cotidiano!
-Tudo é efêmero! Não
era a resposta mais otimista. Era tão somente a resposta verdadeira. E a
verdade nem sempre sorri para quem a desvela.
Sou um ser efêmero!
Seus olhos pareciam querer saltar da face. Fitou mais uma vez a nuvem cinzenta
que pairava sobre a rua pálida e deserta.
Eis o cotidiano –
pensou – uma nuvem cinzenta e pálida que mascara a existência efêmera. Acenou
paulatinamente a cabeça como se quisesse que concordava consigo mesmo. Saltou
do muro, apanhou os rascunhos no chão, atravessou a rua, e, depois de abrir
cuidadosamente a porta, para não acordar os seus pais, entrou, dirigiu-se ao
seu quarto e adormeceu sobre a cama como fazem todas as pessoas efêmeras.
Epitácio
Rodrigues
In: DUARTE, Elieldo Carvalho
& RODRIGUES, Epitácio. As Portas do Tempo nos Muros da Vida.
Crato: BSG, 2013, pp. 21-23.
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