Quando
planejei a construção da casa, coloquei no projeto um quarto para cada filho,
uma suíte para minha esposa e eu, um quarto de hóspede e um quarto para os
livros. Mas, com o passar do tempo, eles sorrateiramente começaram a tomar a
sala de estar, o nosso quarto, setores da cozinha e do corredor. Então, para
salvar o casamento de uma possível crise conjugal ocasionada por esses
invasores bagunceiros que se espalham por toda a casa, resolvi adaptar o
corredor para ampliar o quarto deles e tentar repatriá-los.
Quando
chegou a hora da mudança dos livros, melhor chamar de recondução ao seu lugar,
senti-me numa floresta de maneira industrializada. Como ver tantas folhas
escritas e não folheá-las? Cada livro que eu pegava era uma ocasião de ser
sujeitado à tentação de abrir, ler, recordar a situação na qual o adquiri.
Confesso que até tentei não ceder à tentação, mas o vício da leitura falou mais
forte. Olhei-os! Num deles encontrei, escrito na contracapa, com minha letra, a
frase: “um presente meu para mim mesmo”. Por alguns instantes cheguei a ficar
preocupado. Será que isso significa que tenho uma auto-estima elevada? Ou será
que a dedicatória é apenas um testemunho a favor de uma vida solitária? Olhei a
data e o local. Pois é, tenho essa mania. Sempre que compro um livro, escrevo o
local no qual o adquiri e a data. Senti necessidade disso porque, por um tempo,
vivi como um cigano, mudando de um lugar para outro. Achei que essas
referências me ajudariam a mapear a minha existência no mundo.
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Era um natal longe de casa!
O
livro, escrito em espanhol, fez-me recordar daquela livraria na Colômbia e de
como os livros eram baratos lá. Lembrei do policial na “aduana” querendo saber por
que levava tantos livros na bagagem. A obra Náusea
de Sartre levou-me a um sebo em São Paulo, já o Ser e Tempo de Heidegger e o Banquete
de Platão trouxeram à memória o Shopping Eldourado, naquela mesma cidade.
Um
livro dentre os que folheei me deixou muito intrigado: não me fez lembrar de
lugar nenhum. A capa ostentava o título “Manual da elegância” e em letra
minúsculas, lia-se: “o guia prático para um homem se vestir bem, com as dicas
do maior especialista em moda masculina do Brasil”. Não havia referências do
local e data da aquisição. Lembro-me vagamente de tê-lo comprado, mas algumas
indagações clamavam por respostas às quais eu não conseguia responder: para que
eu compraria um livro que me ensinasse como se dá um nó na gravata, que nunca
usarei, e ainda poder escolher se nó simples, duplo, nó pequeno, windson,
semi-windson ou nó cruzado? Que me ensine qual o melhor bolso para guardar a
carteira? O que é um traje passeio completo ou que é o estilo esporte fino?
(essas coisas que eu sempre que recebo um convite para algum evento pergunto a
minha esposa e ela me responde com a maior satisfação).
Realmente,
por mais que eu tente, não consigo lembrar ao certo onde e porque eu comprei
aquele livro, mas o fato de tê-lo encontrado entre os outros me fez perceber
uma verdade básica: nem tudo que está nos livros nós queremos, de fato,
aprender.
Epitácio
Rodrigues da Silva
Crônica
publicada no jornal O Povo on line. Link: http://www.opovo.com.br/app/jornaldoleitor/noticiassecundarias/cronicas/2015/05/27/noticiajornaldoleitorcronicas,3444685/o-manual-de-elegancia.shtml.