Lembra,
amada, daquela vez que, sob o reflexo da manhã nos teus olhos claros, você
disse o quanto me amava, mas se queixou porque eu não gostava de ti? A
inexperiência da vida, a preocupação com o vestibular que nós faríamos naquele
mesmo ano e o medo, minha fiel companhia, fizeram-me calar e – tal qual aquele
verso daquele poema de Neruda – o perfume de uma flor que não subia à terra foi
o silêncio de todo o grande e puro amor que eu tinha por ti.
Lembra,
amada, daquela noite em que meu coração ficou despedaçado? Eu gostava dela, mas
ela gostava dele. Eu, que usava uma camisa azul com listras brancas, calça
jeans azul e tênis branco com detalhes azuis, descobri que ela, interesse do
meu coração, gostava dele no mesmo dia em que ele estava usando uma camisa
branca com listras azuis, calça jeans branca e tênis azul com detalhes brancos.
(Ah, os que me taxam como esquisito se soubessem como eu sou vítima até dos
detalhes cruéis do acaso ou do destino entenderiam porque sou assim, mas são
tantos os que preferem estar no grupo dos que falam sem entender). Você o tinha
como filho. Eu o tinha como grande amigo. Eles acabaram namorando. Lembra,
amada, como teus olhos tocaram minha tristeza? Como diz a música, “com um toque
de pincel”, você tocou meu coração, deu-lhe um propósito, ensinou-lhe a bater
novamente por amor a alguém.
Lembra,
amada, quando, na fraqueza e no delírio da enfermidade, eu achei ter encontrado
a morte? Como aquele filme, a imagem da tua lembrança teve um brilho tão
intenso que eu juntava forças para fugir dos meus devaneios febris e escapar da
morte. Descobri que eu queria continuar vivendo para ter mais uma oportunidade
para te ver e foi assim que eu soube que estava te amando. Lembra, amada, como
você soube? Por alguma razão você pegou o ônibus e desceu no mesmo lugar que eu
(e eu estava justamente rezando para te encontrar). Lembra, amada, da minha
oração para vencer meu companheiro fiel? “Se eu a encontrar hoje e ela estiver
vestindo alguma roupa verde, eu me declaro para ela.” Eu, sem acreditar no que
estava vendo – não era comum nos vermos
naquele dia da semana e você ainda estava de blusa verde –, ouvia você falar
que não sabia o porquê de estar ali. Depois você, sem acreditar, ouvia a
confissão da minha oração, da minha alma e do meu coração. Lembra, amada, o que
eu achava sobre aquela noite? Que nenhum de nós realmente voltou para a casa.
Tudo estava igual (o caminho, as ruas, as casas), mas havia algo diferente,
que me dizia que o mundo não era o mesmo. Sua resposta para minha pergunta
piegas “será o mundo deferente aos olhos de quem é amado”, ainda hoje guardo:
“a vida é diferente aos olhos de quem não tem medo!”. Como na canção, meu medo
terminava estando ali, ao seu lado.
Lembra,
amada, do medo que você sentia? Você tinha medo que eu me apaixonasse por ti.
Mas como não me apaixonar? Na faculdade, os gregos preparavam-me um banquete;
no céu, a lua e as estrelas segredavam-me coisas que eu só passei a entender
por sua causa; nas artes, toda poesia ganhava sentido e explicação com a
lembrança do teu rosto. Lembra, amada, que naquele supermercado, entre a seção
de frutas e verduras e a dos frios, escutamos pela primeira vez a música “Por
Onde Andei”? Eu preferia ter ouvido “Mantra”, mas depois passei a gostar dela
também, principalmente porque ela inicia pedindo desculpa (coisa que eu sempre
precisei e necessito pedir a você) e pela explicação profética que, em sua
repetição, ela traz do hoje.
Lembra,
amada, daquele dia que eu olhei pela janela do trabalho e pensei ter te visto?
Eu comecei a escrever um livro que nunca terminei, pois só consegui escrever o
trecho que pensar ter te visto me inspirou. Lembra, amada, do trecho do livro
que você, única leitora, copiou no seu caderno?
“Seus
olhos demonstraram surpresa ao me ouvir dizer que esperava por ela. Diante do
seu silêncio, expliquei: "Eu sempre espero que o meu dia melhore: se está
ruim, quero que ele melhore; se está bom, quero que ele melhore ainda mais! Por
isso eu sempre estou esperando por você: encontrá-la faz com que o meu dia
melhore!” Então ela sorriu e o Sol nasceu em minha alma. Aproximamos um do
outro e fizemos a única coisa que os nossos corações pediam: beijamo-nos e
aquele beijo foi eterno, pois o Tempo não ousou prosseguir! Ah, little darling , era tanta coisa que eu
queria te falar... É uma pena que você nunca voltou e eu vivo dias que nunca
são melhores, sempre a te esperar!"
Lembra, amada, quando eu estava esgotado, sem
força, depois de ter gasto toda a minha energia, mas sem nenhuma esperança de
vitória? Eu caminhava no automático e acabei te encontrando – você disse que
foi até ali para ver se me encontrava. As luzes estavam se apagando, as portas
e as janelas começavam a fechar, as pessoas saiam. Lembra, amada, como olhei
para você e caminhei em sua direção? Nos teus braços morri, nos teus braços renasci.
Trilhamos juntos o caminho da conquista do que, nos momentos antes de te
encontrar, eu achava ser mais uma derrota.
Lembra,
amada, naquele dia dos namorados? Você disse que seu coração estava fechado.
Lendo o poetinha escrevendo sobre solidão, eu não consegui esquecer você.
Lembra, amada, daquela vez que conversamos? Eu li para você o trecho do livro e
disse que não era a resposta, mas que queria ser. Lembra, amada, que a minha
pergunta poética suscitou em você uma resposta filosófica? Você disse “sim” e
eu, que sempre tive dificuldade em entender o pensamento filosófico, só fui
entender três dias depois que você tinha aceitado. Lembra, amada, das tuas
palavras que velaram o meu sono? Mesmo eu não sabendo, a alegria da tua
existência fez-me voltar a ter fé e naquela noite, depois de muito tempo,
fiquei de joelhos e rezei. Voltei a dormir em paz.
Lembra,
amada, dessas coisas? Ah, a pergunta é retórica e a resposta é irrelevante.
Importante é saber e não esquecer que nos teus momentos de tormentos e dor
inevitáveis, quando minha atrasada presença finalmente acontecer, se ela for
uma pausa no teu pesadelo e meu abraço for um amparo, é porque só estou
retribuindo todo o bem que você sempre me fez; que os sonhos que o coração intensamente
viveu estão guardados na memória; e que, na longa e sinuosa estrada em que
vivo, você é o que me faz vencer aqueles versos do poeta nunca publicado que
diz: “Pelo prisma da verdade, seja revelado / um sentido para além da sombra da
inutilidade / às ações que no coração tenho como relíquias”.
João Paulo DiCarvalho
jpcmdm@gmail.com
Crônica publicada na revista da Cultura on line.link: http://www.revistadacultura.com.br/resultado/15-05-04/LEMBRA_AMADA_%E2%80%93_REL%C3%8DQUIAS.aspx
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