“Não diga meu nome. Não diga o nome
de nenhuma obra minha nem da arte que faço”.
Foi com essa exigência que o
artista começou a entrevista. Minha primeira pergunta, claro, foi saber o
motivo para isso.
“Um jogador
de futebol quando é notícia por conta das declarações, das farras, da
vida amorosa, do cabelo, quando é destaque mais pelas coisas que faz extra
campo do que pelas coisas que faz no gramado, pode acreditar, é sinal que
começou a decadência desse atleta. A mesma coisa é o artista. A sua arte fala
por ele. Se para ser destaque na mídia eu tiver que dizer algo polêmico ou
falar mal de alguém, que agora parece moda, então eu estou perdido como
artista. O Artista é a sua obra. Quem sou eu? Eis a minha arte. Eu sou,
enquanto artista, a minha arte”.
Em seguida, o entrevistado toma o
lugar do entrevistador. O artista pergunta para qual jornal eu trabalho. Digo
que nenhum. Só queria umas instruções para ser escritor. Talvez até escreva uma
crônica sobre aquele momento.
O artista dá suas instruções.
“Leia. O melhor professor para o escritor é o livro. Mas leia tudo. Não se
prenda a nenhum padrão. Os livros lhe ajudaram a ler o texto que está em sua
mente, que está dentro de você. É esse texto que você deve escrever. Não se
prenda. Sem liberdade não há criatividade e a criatividade é a mais fecunda das
mães da arte”.
“Outra coisa: não entregue tudo
mastigado ao leitor. Que ele exercite o cérebro para entender”.
“Por fim, sorte! É preciso sorte
para ter leitores e mais sorte ainda para alguém gostar do que escrevemos”.
Peço ao artista que fale sobre o
seu começo.
“Foi difícil. Eu não sabia direito,
eu não conhecia a arte. Eu tinha uma certa noção da técnica, mas da arte em si,
do seu significado, da sua profundidade, não. Era como se eu fosse um escritor
escrevendo um romance sem saber o que é um romance; um bailarino que vai
criando movimentos sem saber que dança é aquela e desconhecendo também o que é
a dança; eu era um homem do Paleolítico rabiscando e pintando as paredes das
cavernas sem saber que estava fazendo arte. Eu operava uma máquina que não
conhecia. Não digo da técnica, mas da noção. O que é a arte, qual seu alcance?
Eu não fazia ideia”.
Pergunto para ele se já sabe a
resposta. “O que é arte? Qual o papel do artista? Olha, não há uma resposta
pronta para isso e ainda bem que não há, do contrário a arte seria estéril, não
poderia se reinventar. Eu fui encontrando respostas, minhas respostas, mas não
espere que eu as diga aqui. A arte que eu produzi com a ajuda delas é mais
importante”.
– E quando você não tinha essas
respostas. Até que ponto não saber o que é arte lhe atrapalhou?
“Por incrível que pareça, não me
atrapalhou, pelo contrário. Fez com que eu aprendesse a ouvir e seguir meu
instinto, minha intuição. A arte está dentro da gente. É preciso saber
conhecê-la para extrair. O pintor tira a pintura de dentro dele. O escritor
tira o poema de dentro dele. Não me assustará nada se por um acaso conseguirmos
descobrir que o melhor livro, o melhor poema, a melhor pintura nunca foi
escrita, nunca foi pintada, pois ficou perdida na mente de alguém que por algum
motivo não soube ou não quis pintar, escrever, tirá-la de dentro. É igual à
fala final do Pasolini em O Decameron,
depois que termina a pintura”.
– Qual (quais) o(s) problema(s) que
a arte enfrenta?
“Dois grandes problemas: a
superestimação e o subestimado. A superestimação é um problema do artista.
Muitas vezes, ele se acha um deus e essa vaidade atrapalha, porque o afasta da
principal das críticas, a crítica de si. Ela cega o artista, que fica achando
que a sua obra é muito boa, quando na verdade não passa de puro lixo”.
“Já o subestimado parte do público.
Ele subestima a arte. Ele não vai mais a um teatro, a um museu, não lê mais.
Essa crônica que você escreverá sobre essa entrevista, boa parte dos que
comprarem o livro, não lerá”.
Informo que não escreverei um
livro, que a postarei na internet, num site de jornal, revista, blog.
“Se nem o livro, que custou dinheiro,
a grande maioria que compra lê, imagina o texto de graça da internet. Quem vai
ler esta crônica? Ninguém. E não é porque a crônica está mal escrita, não.
Ainda que bem escrita, não lerão porque não tem o hábito de ler e isso está
longe de mudar”.
“Na idade média, acreditava-se que
a Terra era plana. Hoje, para muita gente, o mundo continua plano e retangular,
do formato de uma tela plana de uma TV, de um computador, de um celular. Sei
das benesses da tecnologia, não quero fazer um discurso moralista, mas é fato:
pouquíssimas pessoas têm lá no histórico da internet que acessou recentemente
(ou alguma vez!) o Louvre. Igual à alegoria da caverna, são muitos os
prisioneiros de um mundinho virtual que ignoram saber que existe vida além do
Face, do Whats, do joguinho...”
O artista termina sua fala
desejando sorte para mim.
...
Eis a crônica sobre a entrevista
com o artista que eu pude tirar de mim. Acreditem, ela estava mais saborosa
quando a sonhei.
João Paulo DiCarvalho
jpcmdm@hotmail.com
(Crônica
publicada na Revista da Cultura on line link: http://www.revistadacultura.com.br/resultado/15-03-25/ENTREVISTA_COM_O_ARTISTA.aspx
)