segunda-feira, 16 de março de 2015

“ESSA CHARGE INCITA A VIOLÊNCIA”

 
Não, esta não é uma crônica sobre o Charlie Hebdo. A charge em questão é a do Chico Caruso, publicada no dia 08 de março em O Globo. Tomei conhecimento dela na segunda, no trabalho, antes do expediente.
Como podem publicar uma coisa dessas com a presidente e logo no dia da mulher?” indignava-se um. “Não pode, é uma falta de respeito”, dizia outro.
O que foi que aconteceu? – perguntei.
Domingo agora no jornal O Globo saiu uma charge daquele Chico Caruso. A charge era a presidente Dilma sendo decapitada.
Alguém poderá dizer que a charge não era bem assim. Eu sei disso, mas foi assim que ela foi a mim relatada e era essa a imagem que se formava em meu pensamento. Automaticamente minha imaginação tentava reconstituir a charge: cabeça cortada, o machado, o sangue... Isso me deixava muito mal.
Antes que alguém possa questionar (e condenar) as ações da minha imaginação e até (quem sabe?) achar contraditório eu ser uma pessoa contrária a violência, mas imaginar uma crueldade tão dantesca, faço a defesa dessa minha faculdade mental recorrendo à santa Teresa D’Avila, que, no seu livro Castelo Interior ou Moradas, chama a imaginação de louca, pelo fato dela, muitas vezes, ser incontrolável. Como dito acima, a minha estava no automático.
O pessoal continuou falando. Ouvi sobre passar dos limites, ofensas e perseguição; ouvi nomes de políticos e de partidos; ouvi sobre mídias, oligarquias e interesses; ouvi sobre tanta coisa e das coisas que ouvi, esta soou como um tiro: “essa charge incita a violência”. Eu não conseguia falar nada. Estava mal. Em meio a tanto sangue, a única pergunta que formulara no pensamento era: “como o Chico Caruso foi fazer uma charge dessas?”
Hora do intervalo. O assunto sobre a charge continuava sendo a pauta. Descreveram-na melhor e o equívoco foi desfeito: não era a cabeça da presidente cortada. O desenho fazia referência às execuções do grupo terrorista do Estado Islâmico. Dilma estava ajoelhada com aquela roupa amarela e o carrasco atrás, todo de preto, encapuzado, só os olhos de fora, com um punhal pronto para degolar. Isso desfez a imagem sinistra e sanguinolenta que minha imaginação estava reconstituindo a partir do “retrato-falado” da charge que me fizeram no começo da manhã.
Também parei de inquirir o desenhista da perspectiva de até então – com alarde e desapontamento. Lembrei desta frase que é atribuída a Albert Einstein: “tempo difícil esse em que estamos, onde é mais fácil quebrar um átomo do que um preconceito.” Acredito que ele tenha mesmo dito isso. Há dois escritos seus que me fazem pensar assim: as correspondências que trocou com Freud sobre guerra e paz, após a 1° guerra; e o livro (que é uma pena não ser mais editado!) “Como vejo o mundo”.
O assunto ainda estava rendendo. Continuei em silêncio. Parei de ouvir o que falavam. Estava me sentindo cansado e o cansaço transforma qualquer tom mais elevado em barulho.
Não tive expediente à tarde. Feito os afazeres, um descanso de 20 minutos acabou virando um cochilo de quase duas horas. Ao acordar, antes de colocar os pés no chão, lembrei da charge e minha mente, agora descansada, questionava a situação de outra forma. “E se o chargista quis criticar os que criticam e atacam a presidente, comparando-os a um grupo de fundamentalistas terroristas?”
Noite. Encontro com amigos. Descubro que a charge também foi tema no trabalho deles. Todos a atacavam. Doeu ouvir de quem semana passada propunha falar de amor para combater o ódio a sádica brincadeira de que, “se pudesse, mataria o chargista”. Lembrei da frase que me soou como um tiro.
Disse então o que suspeitava sobre a charge. Silêncio geral. Eu era o único a ver a questão daquela forma.
Novamente se fez silêncio quando alguém perguntou quem viu a charge.
Wi-fi ligado. Busca acionada. Eis a imagem.
Percebo que há algo escrito no desenho e estranho porque tantos falaram da imagem, mas ninguém havia comentado sobre o texto verbal. Será que esqueceram ou sequer leram? Quem saberá? As palavras da charge corroboraram com minha ideia sobre ela.
Essa charge incita a violência”.
De fato, vi a charge sendo criticada por quem não a viu; por quem a viu, mas não leu; por quem a viu, leu, mas (imagino!) não a entendeu.
Tento imaginar como Einstein veria o mundo hoje, em tempos muito mais difíceis, em que é mais fácil abrir a boca para atacar e julgar do que abrir a mente e os ouvidos para pensar melhor e ouvir; em que é mais fácil reproduzir um discurso (seja ele qual for!) do que ver a alienação que esse discurso traz; em que é mais fácil abrir uma página de rede social do que abrir um livro.
Se você ainda não percebeu, saiba que essa crônica é partidária. Se você já suspeitava, largue a pedra e expanda a mente. Meu partido? Se o do Cazuza era “um coração partido”, o meu é um livro aberto – esse livro muitas vezes não lido e tantas vezes esquecido e que a humanidade teima em não aprender suas lições – chamado “Compreensão”.



João Paulo DiCarvalho
jpcmdm@hotmail.com
(Crônica publicada na Revista da Cultura online link:  http://www.revistadacultura.com.br/resultado/15-03-16/%E2%80%9CESSA_CHARGE_INCITA_A_VIOL%C3%8ANCIA_%E2%80%9D.aspx )

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