sábado, 21 de março de 2015

INESPERADA HISTÓRIA INESPERADA



Não foi comigo. Nem com quem me contou. Foi com a amiga de um amigo meu. Parece lenda urbana, mas aconteceu.
A garota estava andando quando foi abordada.
  É um assalto! Passa tudo – disse com a arma em punho.
A garota passou tudo –  bolsa, apostila, celular... – , mas não sem antes começar a chorar.
Não sei se levada pelo desespero ou pela ingenuidade, a garota, entre lágrimas, disse:
  Me devolve pelo menos a apostila.
Nessa hora, quem me contava a história abriu um parêntese e eu aqui o faço também. Ele disse que a apostila do cursinho é cara, coisa de mais de 1000 reais, e que no ano passado a maior causa de boletins de ocorrência naquela região era de roubo de apostila.
  O ladrão rouba para revender  – comenta.
  Roubo é do cursinho, por uma apostila custar tão caro. Quem é que vai investigar esse roubo?
Voltemos a nossa história.
– Me devolve pelo menos a apostila –  disse aos prantos.
Ele olhou para a apostila, para a garota, baixou a vista e devolveu a apostila.
O choro da garota continuou e, não sei se pelas mesmas razões ou por novas, soltou:
– Por favor, me devolve pelo menos os documentos.
Ele, cabeça baixa, olha para a bolsa, pensativo. Abre-a devagar, procura nos bolsos e, tirando os documentos, entrega-os para a garota.
A garota continuou no choro e nos pedidos:
– Me dá pelo menos o dinheiro da passagem.
Ele deu não só o dinheiro da passagem, mas todo o dinheiro que tinha na bolsa e devolveu também a bolsa, o celular, devolveu tudo o que a garota havia entregado.
Em seguida, saiu cabisbaixo.
Não sei se isto é útil, mas termino a participação da garota relatando o que ela disse sobre ele: não tinha cara de drogado.
Quem me contou a história acredita que possa se tratar de alguém precisando demais de dinheiro e, no desespero, tentou recorrer ao assalto.
Eu fiquei aliviado por nada de trágico ter acontecido com a garota. Ser humano, desespero e uma arma não costumam ser uma combinação com final feliz.
Não quero que alguém pense que as ruas estão livres de perigo. A cidade está ficando perigosa. Todo cuidado é pouco. Não quero que alguém faça o que a garota fez se for abordado, ainda mais por alguém armado. De algum modo, o que eu queria mesmo era falar para ele.
Não sei quais foram as suas motivações para fazer o que fez. Não sei o que lhe levou a desfazer o que fez. Espero que a segunda razão seja sempre mais forte que a primeira e que você faça a sua parte, alimentando o que há de bom em você e enfraquecendo o que é mau.
Repare que em nenhum momento me referi a você como “ladrão” ou “assaltante” porque, de fato, pelo que aconteceu (e pelo que não aconteceu!) você não pode ser chamado com tal.
E mais uma última coisa: não se envergonhe pelos seus defeitos; tenha um orgulho saudável por suas qualidades. Erga a cabeça!

João Paulo DiCarvalho
(Crônica publicada na Revista da Cultura online: link: http://www.revistadacultura.com.br/resultado/15-03-18/Inesperada_hist%C3%B3ria_inesperada.aspx).

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