Não
foi comigo. Nem com quem me contou. Foi com a amiga de um amigo meu. Parece
lenda urbana, mas aconteceu.
A
garota estava andando quando foi abordada.
– É um assalto! Passa tudo – disse com a arma
em punho.
A
garota passou tudo – bolsa, apostila,
celular... – , mas não sem antes começar a chorar.
Não
sei se levada pelo desespero ou pela ingenuidade, a garota, entre lágrimas,
disse:
– Me devolve pelo menos a apostila.
Nessa
hora, quem me contava a história abriu um parêntese e eu aqui o faço também.
Ele disse que a apostila do cursinho é cara, coisa de mais de 1000 reais, e que
no ano passado a maior causa de boletins de ocorrência naquela região era de
roubo de apostila.
– O ladrão rouba para revender – comenta.
– Roubo é do cursinho, por uma apostila custar
tão caro. Quem é que vai investigar esse roubo?
Voltemos
a nossa história.
–
Me devolve pelo menos a apostila – disse
aos prantos.
Ele
olhou para a apostila, para a garota, baixou a vista e devolveu a apostila.
O
choro da garota continuou e, não sei se pelas mesmas razões ou por novas,
soltou:
–
Por favor, me devolve pelo menos os documentos.
Ele,
cabeça baixa, olha para a bolsa, pensativo. Abre-a devagar, procura nos bolsos
e, tirando os documentos, entrega-os para a garota.
A
garota continuou no choro e nos pedidos:
–
Me dá pelo menos o dinheiro da passagem.
Ele
deu não só o dinheiro da passagem, mas todo o dinheiro que tinha na bolsa e
devolveu também a bolsa, o celular, devolveu tudo o que a garota havia entregado.
Em
seguida, saiu cabisbaixo.
Não
sei se isto é útil, mas termino a participação da garota relatando o que ela
disse sobre ele: não tinha cara de drogado.
Quem
me contou a história acredita que possa se tratar de alguém precisando demais
de dinheiro e, no desespero, tentou recorrer ao assalto.
Eu
fiquei aliviado por nada de trágico ter acontecido com a garota. Ser humano,
desespero e uma arma não costumam ser uma combinação com final feliz.
Não
quero que alguém pense que as ruas estão livres de perigo. A cidade está
ficando perigosa. Todo cuidado é pouco. Não quero que alguém faça o que a
garota fez se for abordado, ainda mais por alguém armado. De algum modo, o que
eu queria mesmo era falar para ele.
Não
sei quais foram as suas motivações para fazer o que fez. Não sei o que lhe
levou a desfazer o que fez. Espero que a segunda razão seja sempre mais forte
que a primeira e que você faça a sua parte, alimentando o que há de bom em você
e enfraquecendo o que é mau.
Repare
que em nenhum momento me referi a você como “ladrão” ou “assaltante” porque, de
fato, pelo que aconteceu (e pelo que não aconteceu!) você não pode ser chamado
com tal.
E
mais uma última coisa: não se envergonhe pelos seus defeitos; tenha um orgulho
saudável por suas qualidades. Erga a cabeça!
João Paulo DiCarvalho
(Crônica
publicada na Revista da Cultura online: link:
http://www.revistadacultura.com.br/resultado/15-03-18/Inesperada_hist%C3%B3ria_inesperada.aspx).
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