Dias atrás recebi um presente de uma amiga muita querida. Era um livro
de André Comte-Sponville, A Vida
humana. Como acontece com os
amigos, ela sabia que gosto muito do trabalho filosófico desse autor, por duas
razões muito simples: ele não me deixa esquecer a responsabilidade que temos de
cuidar do ser humano. Além disso, tem a capacidade de apresentar suas ideias
com uma linguagem acessível, agradável, profunda e com uma beleza literária
capaz de elevar o espírito. Diga-se de passagem, um somatório de
características raramente encontradas num texto filosófico.
Em tempos de busca esquizofrênica e intempestiva por sucesso, status e
riqueza, somos lançados no epicentro de uma crise humanitária: falta tempo para
olhar e perceber o outro, quando temos de correr para garantir a nossa
sobrevivência. Não estou fazendo mais um daqueles discursos saudosistas do
humanismo religioso que precedeu o que temos hoje; não quero fazer apologia de
uma proposta de humanismo na qual o homem aparecia apenas como coadjuvante e
que fincava seus valores no medo do fogo do inferno ou no desejo de um céu
pós-morte. É nessa vida terrena o lugar e tempo de sermos humanos, da melhor
maneira que pudermos. Considero a experiência religiosa um importante fator
para nossa humanização, quando tem como compromisso a promoção do respeito ao
ser humano e quando é honestamente ensinada e vivenciada, mas não vejo muitos
sinais dessa experiência religiosa hoje.
Por outro lado, tenho minhas reservas em relação a esse humanismo por
decreto, que veio ao mundo depois de uma tentativa de destruição de uma boa
parcela da humanidade. Acredito na existência de direitos humanos, mas
considero equivocada a crença de que o estabelecimento de uma lei ou Declaração
possa me fazer mais humano.
Se queremos realmente uma educação que torne as pessoas mais humanas,
devemos começar por um caminho apontado por Comte-Sponville numa das suas
falas. Segundo ele, “o grande negócio é sem dúvida amar. Mas quem poderia amar
sem ser amado primeiro? Quase sempre, é nos braços de uma mulher que começamos,
encostado no seu coração, no seu peito, no fundo de seu sonho e de seu
amor...”(p. 41). Por isso, afirma ele, noutro lugar, que “a humanidade é uma
invenção das mulheres”(p. 22). Dizer isso é mais que um efeito literário, é uma
verdade existencial. É nos braços de uma mulher que experienciamos a riqueza
maior do ser humano, e isso quando ainda não somos conhecidos, quando a única
certeza que essa mulher tem é que somos seus filhos.
Sou pai de duas crianças, uma menina e um menino, e amo-os muito. Vejo a
felicidade deles quando estão comigo, nos meus braços, mas basta a mãe se
aproximar para se lançarem nos braços dela, como quem encontra ali uma
felicidade maior. Isso não me entristece, porque vi cada dia da gestação, a
dinâmica do crescimento daqueles pequenos seres no interior dela. Vi nela as
transformações do corpo, a respiração ofegante, o cansaço decorrente do aumento
do peso, mas ela sempre se referia a eles como uma chegada feliz. Eu vi, mas
somente ela sentiu intensamente.
A primeira lição de segurança, de amor, de paz, de saciedade e de
cuidado foram dela que eles receberam. Não há dúvidas de que a mãe, quando
assume a maternidade, é também a mãe da humanidade de todo ser humano. A minha
única tristeza é que sociedade é incompetente demais para dar continuidade a
esse trabalho pedagógico. Não é por decreto, mas por amor que se constrói uma
existência verdadeiramente humana e digna.
Epitácio
Rodrigues da Silva
(crônica publicada na Revista da
Cultura on line. Link: http://www.revistadacultura.com.br/resultado/15-03-16/A_PRIMEIRA_LI%C3%87%C3%83O_DE_HUMANIDADE-3993209409.aspx
).
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