terça-feira, 17 de março de 2015

A PRIMEIRA LIÇÃO DE HUMANIDADE


Dias atrás recebi um presente de uma amiga muita querida. Era um livro de André Comte-Sponville, A Vida humana. Como acontece com os amigos, ela sabia que gosto muito do trabalho filosófico desse autor, por duas razões muito simples: ele não me deixa esquecer a responsabilidade que temos de cuidar do ser humano. Além disso, tem a capacidade de apresentar suas ideias com uma linguagem acessível, agradável, profunda e com uma beleza literária capaz de elevar o espírito. Diga-se de passagem, um somatório de características raramente encontradas num texto filosófico.
Em tempos de busca esquizofrênica e intempestiva por sucesso, status e riqueza, somos lançados no epicentro de uma crise humanitária: falta tempo para olhar e perceber o outro, quando temos de correr para garantir a nossa sobrevivência. Não estou fazendo mais um daqueles discursos saudosistas do humanismo religioso que precedeu o que temos hoje; não quero fazer apologia de uma proposta de humanismo na qual o homem aparecia apenas como coadjuvante e que fincava seus valores no medo do fogo do inferno ou no desejo de um céu pós-morte. É nessa vida terrena o lugar e tempo de sermos humanos, da melhor maneira que pudermos. Considero a experiência religiosa um importante fator para nossa humanização, quando tem como compromisso a promoção do respeito ao ser humano e quando é honestamente ensinada e vivenciada, mas não vejo muitos sinais dessa experiência religiosa hoje.
Por outro lado, tenho minhas reservas em relação a esse humanismo por decreto, que veio ao mundo depois de uma tentativa de destruição de uma boa parcela da humanidade. Acredito na existência de direitos humanos, mas considero equivocada a crença de que o estabelecimento de uma lei ou Declaração possa me fazer mais humano.
Se queremos realmente uma educação que torne as pessoas mais humanas, devemos começar por um caminho apontado por Comte-Sponville numa das suas falas. Segundo ele, “o grande negócio é sem dúvida amar. Mas quem poderia amar sem ser amado primeiro? Quase sempre, é nos braços de uma mulher que começamos, encostado no seu coração, no seu peito, no fundo de seu sonho e de seu amor...”(p. 41). Por isso, afirma ele, noutro lugar, que “a humanidade é uma invenção das mulheres”(p. 22). Dizer isso é mais que um efeito literário, é uma verdade existencial. É nos braços de uma mulher que experienciamos a riqueza maior do ser humano, e isso quando ainda não somos conhecidos, quando a única certeza que essa mulher tem é que somos seus filhos.
Sou pai de duas crianças, uma menina e um menino, e amo-os muito. Vejo a felicidade deles quando estão comigo, nos meus braços, mas basta a mãe se aproximar para se lançarem nos braços dela, como quem encontra ali uma felicidade maior. Isso não me entristece, porque vi cada dia da gestação, a dinâmica do crescimento daqueles pequenos seres no interior dela. Vi nela as transformações do corpo, a respiração ofegante, o cansaço decorrente do aumento do peso, mas ela sempre se referia a eles como uma chegada feliz. Eu vi, mas somente ela sentiu intensamente.
A primeira lição de segurança, de amor, de paz, de saciedade e de cuidado foram dela que eles receberam. Não há dúvidas de que a mãe, quando assume a maternidade, é também a mãe da humanidade de todo ser humano. A minha única tristeza é que sociedade é incompetente demais para dar continuidade a esse trabalho pedagógico. Não é por decreto, mas por amor que se constrói uma existência verdadeiramente humana e digna.
Epitácio Rodrigues da Silva

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