Ele estava
parado há algumas horas, não falava, não gesticulava, nada. Quem passava
desviava o olhar num soslaio rápido e seguia em frente. Ninguém, nunca tinha
visto aquela figura ali, nem cena tão estranha. E o tempo foi passando,
passando, passando.
Era tarde
do dia quando um transeunte, não sei se mais curioso ou mais corajoso, chegou
para o homem e interpelou-o: - Por que está nesta posição há tanto tempo? O
homem não respondeu. Perguntou novamente o transeunte: - Por que não fala? não
gesticula? E o homem nada respondeu. Após essas, seguiram várias outras
perguntas. Mesmo resultado, o transeunte cansado de falar sozinho foi embora. A
noite chegou e os casais de namorados começaram a chegar, uns olhavam
rapidamente e seguiam, outros demoravam um pouco mais, e nada diziam, alguns
casais sentavam-se nos bancos da praça próximo ao homem e entre beijos e afagos
uma olhadinha para vê-lo mexer, nada. Uns garotos jogavam futebol numa quadra a
alguns metros, a bola chutada por um moleque veio de lá e bateu no homem
parado, nada de mexer.
O tempo
passou os moleques do futebol foram embora; os casais foram embora, inclusive
os mais ousados, da sessão coruja, que adoram as altas horas. E o homem lá. O
guarda noturno que estava de serviço naquela noite se aproximou e iniciou um
monólogo insistente querendo quebrar aquele silêncio do homem, e nada
conseguiu. Chegou a madrugada, o vento gélido fez o guarda procurar um abrigo
mais quente e confortável. A barra do sol saiu e com ela os operários que
partiam para mais um dia de trabalho. E o homem imponente, estático, silencioso
completara seu primeiro ciclo naquela situação.
Mas, o que
parecia apenas uma cena curiosa, tornou-se um problema, os garis que limpavam a
rua naquela manhã não limparam no lugar que o homem estava, foram reclamados
pelo superior que fiscalizava o trabalho e colocaram a culpa no homem ali
parado; o supervisor da turma de garis por sua vez foi reclamar com o
secretário de limpeza pública do município, este ao prefeito que reclamou com o
governador que foi ao presidente que resolveu tomar uma providência. Com uma
medida propôs um referendum. O congresso aprovou a ideia e começaram os
preparativos para realizá-lo, milhões foram investidos em propaganda, frentes
parlamentares foram criadas. Uns a favor do homem parado e outros que eram
contra, foi uma verdadeira festa democrática. Comícios, passeatas, carreatas e
até gente distribuindo presentes para os eleitores como se eleição fosse.
Marcaram a data, tudo ocorreu bem, nesses tempos de avanço tecnológico, urnas
eletrônicas, rapidamente, saiu o resultado da apuração. Os que eram a favor da
retirada do homem parado daquela rua fizeram a festa. O sim venceu.
Mas como
retirar aquele homem dali? Militantes do movimento dos direitos humanos,
hippies, ambientalistas e todo o movimento alternativo protestavam contra a
decisão. Um homem mais vibrante, de bigodes a Marechal Deodoro, lia em voz alta
os princípios constitucionais: artigo V inciso I, todos são iguais perante a
lei; ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer uma coisa senão em
virtude de lei; etc., etc. Antes que ele terminasse de ler o artigo V da
constituição sumira no meio da multidão da guarda nacional. Numa decisão
soberana e heroica decidiram convocar as forças armadas para retirar o homem da
rua, era um caso de ordem nacional, vários homens armados até os dentes ficaram
posicionados numa certa distância. Acreditava-se que o homem poderia reagir,
com uma bomba presa ao corpo ou coisa parecida. Um general do exército chegou
para interrogar o homem e avisa-lo dos seus direitos e de tudo que tinha
acontecido. Nesse instante, viu um papel no bolso do homem, um pequeno bilhete
em letras desenhadas por uma caneta segurada pela mão de um pai de família, que
há dois anos não arrumava emprego. “Protesto pela falta de emprego”, e continuando
“não faço greve de fome, pois fome já tenho tanto, eu e minha família e muitos
do meu lugar, Já muito andei, ninguém me notou; resolvi parar aqui nesse
calçadão de praça movimentado e daqui só sairei quando arrumarem um emprego pra
mim, para que eu possa conseguir pelo menos alimentar a minha família, faço
greve de movimentos e de palavras pois a greve de fome tanta gente faz todos os
dias compulsoriamente no Brasil e nada acontece”.
Após ler
aquelas palavras, o general pensou um instante, fechou os olhos comovido,
depois falou pra o homem em voz baixa: sinto muito! Depois pra multidão inteira
ouvir: - Recolham o contraventor. E foi aplaudido pela multidão que não sabia o
que estava acontecendo naquele momento.
Francinaldo Silva Dias
difadias@hotmail.com
(crônica publicada no Jornal O Povo on line. Link: http://www.opovo.com.br/app/jornaldoleitor/noticiassecundarias/cronicas/2015/01/14/noticiajornaldoleitorcronicas,3377060/o-homem-parado.shtml .
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