Palavras, palavras e mais palavras!
Nos últimos tempos tem crescido em mim uma estranha sensação de banalidade
léxica. É quase uma vertigem como a do Antoine Roquentin sartreano. Cada vez
que saio de casa para o trabalho ou outra atividade extramuros sinto-me como se
estivesse entrando num caótico labirinto de frases e palavras e sem o novelo de
linha de Ariadne, que me ajude a encontrar um caminho.
Por todos os lados, em forma de frases
gastas, jogadas ao chão ou aprisionadas em papeis, palavras voam sem direção; às
vezes, pichadas em paredes como aranhas disformes e contraventoras ou
transformadas em avisos colados em postes, a fazer promessas de felicidade e
prosperidade demasiado suspeitas: “trago seu amor de volta em cinco dias!”; transmutando-se
em anúncios impressos em outdoor que querem me seduzir a comprar a futilidade maquiada
de garantia de sucesso.
Nas ruas e avenidas, elas correm, ultrapassando
à direita e ou esquerda da pista, em carros e motos velozes que rumam, sem
rumo, movidas por pensamentos equivocados para os quais correr é sinônimo de
liberdade.
Palavras, palavras e mais palavras!
Vejo-as mergulhadas nos corpos das pessoas apossando-se da sua epiderme como um
“cobreiro” discreto: chamam a esse “empossar” de “tatoo”. Vejo-as também misturadas
às roupas, bolsas, sapatos, tênis, sandálias, cabelos e cabeças.
Para todos os lados, o horizonte
que meus olhos alcançam parece dominado por um deserto de palavras: sejam grandes,
pequenas, coloridas, mixadas e ensurdecedoras; ditas, sussurradas, tecladas e
gritadas; dinâmicas, brilhantes ou pulsantes. Todas elas são ermitãs de sua
própria condição dizente, docente, eloquente.
Conta-dicção do dito: nada dizer!
Pois, o paradoxo de tudo isso é que, por alguma razão, mesmo me vendo cercado
de palavras, tenho sempre uma incômoda sensação de que, para além dos invólucros
criativos que as revestem, o conteúdo parece cada vez mais vazio. Assim, ao
final do percurso, prevalece sempre a mesma impressão de que são apenas isso: palavras
que já não conseguem dizer mais nada.
São apenas palavras.
Só palavras!
Epitácio Rodrigues
prof_epitacio@hotmail.com
(Crônica publicada na Revista da Cultura on line. link: http://www.revistadacultura.com.br/resultado/15-03-25/S%C3%93_PALAVRAS.aspx ).
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